Líderes Sustentáveis
ONDE: Gramado, RS
22 e 23 de abril de 2025
QUERO SABER MAISO mês de maio deste ano foi marcado por um dos piores desastres naturais de origem climática já registrados no Brasil, as enchentes do Rio Grande do Sul. O evento de cheia e transbordamento dos rios resultante de chuvas volumosas que começaram a atingir o estado a partir do dia 27 de abril teve duração de mais de um mês e registrou inundações na maioria do seu território.
Fomos todos impactados pelas imagens de cidades inteiras submersas, de pessoas e animais ilhados, de voluntários trabalhando nos resgates e comboios de ajuda humanitária chegando às regiões afetadas. Mas, o fato é que com a maior parte dos municípios gaúchos atingidos, mais precisamente 94% das 497 cidades do estado, a tragédia humanitária que presenciamos vai além das fronteiras da federação.
Sem dúvida, nada pode ser pior do que a crise humanitária decorrente da tragédia climática. Contudo, o impacto econômico sobre o estado também será grande e com potencial de impactar a todos os brasileiros. Por ser um estado de grande importância na produção agropecuária brasileira, algumas cadeias dentro desse setor foram bastante afetadas, o que deve resultar em alta de preços no mercado para alguns produtos. Perdas no campo e nos estoques, danos em instalações e maquinário, além de prejuízos para o escoamento das colheitas e a chegada de insumos estão entre os principais desafios que atingem os gaúchos e poderão afetar a todos nós.
O Rio Grande do Sul (RS) é o 4º estado mais importante do país em termos de atividade econômica. De acordo com números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2021 (dado mais recente), o produto interno bruto (PIB) do estado foi de R$ 581 bilhões, o que representou 6,5% do PIB nacional no ano.
No setor agropecuário, o RS é a segunda maior economia em termos de PIB, representando 12,7% do total nacional, ficando atrás apenas de Mato Grosso, segundo aponta o IBGE. De acordo com os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o RS lidera a produção de arroz (70% da produção nacional), trigo, canola, aveia e uvas (47%). O estado também tem grande tradição na pecuária, sendo o terceiro maior produtor de suínos (20%), e se destaca na produção de frangos e leite.
Na agroindústria, é a terceira economia mais relevante em termos de Valor de Transformação Industrial (VTI), contribuindo com 11,5% do total nacional.
Em resumo, a agropecuária e a agroindústria do Rio Grande do Sul têm uma grande importância para o País. Por conta disso e pela relevância dos produtos do setor para os consumidores brasileiros, os possíveis impactos da tragédia climática sobre o agronegócio são os que mais chamam a atenção.
70% do arroz que consumimos é produzido no Rio Grande do Sul. Das 10 milhões de toneladas que o país produz anualmente, cerca de 7,3 milhões de toneladas na safra 2023/24 são gaúchas, segundo dados da Conab. Apesar do atraso da safra por conta do El Niño, cerca de 80% do arroz já havia sido colhido no período das enchentes. Para o que não foi colhido, estima-se risco de perdas em torno de 1,2 milhão de toneladas, impactando temporariamente nos preços do alimento.
O trigo também é uma cultura essencial, com o Rio Grande do Sul sendo o maior produtor nacional, responsável por mais de 46,1% da produção esperada, cerca de 4,2 milhões de toneladas na safra de 2024. O plantio de trigo inicia-se em maio e se estende até julho, sendo, portanto, possível realizá-lo. Entretanto, a produção de trigo, que já estava prevista para cair 4,3% no estado, poderá ser menor ainda em função das condições do solo e dos desafios logísticos e financeiros decorrentes das enchentes.
A soja figura como um importante produto agrícola, com o estado contribuindo com 14,5% da produção nacional, estimada pela Conab em 21,4 milhões de toneladas para a safra de 2023/24. No entanto, as enchentes afetaram aproximadamente 1,2% da área plantada, resultando em perdas estimadas em mais de 1 milhão de toneladas, de acordo com a Embrapa Territorial. Embora essa quebra não deva afetar os preços globais devido às grandes safras previstas no Centro Oeste e Estados Unidos, os preços locais já demonstram aumento decorrente das enchentes no mercado interno.
Muitas unidades produtivas de aves e suínos foram afetadas. Já nas primeiras duas semanas, ao menos 10 grandes unidades industriais foram paralisadas e com dificuldades para operar, devido à falta de energia elétrica e às dificuldades logísticas para entrega de combustíveis para os geradores, segundo informações da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
A avicultura sofreu com a perda de mais de 300 mil aves, segundo a Associação Gaúcha de Avicultura (ASGAW). Além de danos às estruturas e material genético nas regiões afetadas, especialmente no Vale do Taquari.
Na suinocultura, apesar de perdas localizadas, principalmente nas regiões do Vale do Taquari, do Vale do Caí e da Serra Gaúcha, as estimativas da ABPA indicam que a produção não será comprometida significativamente, tanto para o mercado interno quanto para as exportações. Entretanto, os produtores enfrentam desafios logísticos e de infraestrutura após as enchentes.
A pecuária leiteira já vinha enfrentando dificuldades por conta de anos consecutivos de estiagem, e as enchentes exacerbaram esses desafios, afetando ainda mais as margens de lucro dos produtores.
O problema da produção se agrava por causa da perecibilidade e da necessidade de refrigeração de laticínios e carnes. As dificuldades com a logística perturbam a coleta do leite in natura nas unidades rurais, o fornecimento de rações e de insumos. Na bovinocultura de corte, além das perdas de animais, as pastagens encharcadas complicam o manejo do rebanho, adicionando novos desafios operacionais aos produtores.
É importante dizer que mesmo que grande parte dos impactos das enchentes na produção agropecuária do Rio Grande do Sul não nos atinjam diretamente no primeiro momento, é preciso refletir sobre o impacto da catástrofe sobre o produtor rural da região para as próximas safras.
Com perdas e efeitos diretos das enchentes, o produtor gaúcho deverá ter problemas com relação à capacidade de investimento em produção nas próximas temporadas, o que poderá levar a um desequilíbrio entre a oferta e a demanda por produtos alimentares.
As inundações provocadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul terão impactos duradouros na agricultura, em virtude de solos encharcados que vão dificultar o plantio da próxima safra. Muitos produtores do Rio Grande do Sul provavelmente serão forçados a abandonar suas culturas tradicionais e adotar outras. Portanto, haverá necessidade de um reajuste das atividades agrícolas e pecuárias na região.
É necessário olhar para a tragédia climática que ocorreu no Rio Grande do Sul sob uma perspectiva mais ampla. Há muitos fatores que concorreram e convergiram para a crise humanitária e ambiental que assolou o estado. Todos são relevantes e merecem um olhar cuidadoso dada sua complexidade e interconexão.
No entanto, chuvas e secas prolongadas, cada vez mais intensas são a nova realidade do Brasil, e preparar os estados brasileiros é uma tarefa urgente. Vivemos tempos extremos. Não se pode minimizar a dificuldade de planejamento e execução de planos efetivos de prevenção e gerenciamento de riscos de desastres naturais, no Brasil ou em outros países.
Mas, é importante lembrar que os impactos das mudanças climáticas afetam desproporcionalmente os mais vulneráveis, e nos obrigam a buscar soluções de adaptação urgentemente. Não faltam dados qualificados de previsões climatológicas e de análise de risco, exposição e vulnerabilidade no país. As soluções passam por medidas de gestão de risco, como sistemas eficientes de alertas e gestão de desastres. O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), tem indicado há tempos o alto nível de risco do país aos impactos de eventos extremos de precipitação, seca, assim como de eventos gradativos, como a elevação do nível do mar.
Diante desse cenário desafiador do Rio Grande do Sul, é crucial implementar medidas eficazes de reconstrução das infraestruturas e apoio às comunidades rurais afetadas. Além disso, políticas públicas devem ser direcionadas para o desenvolvimento sustentável, manejo eficiente dos recursos naturais e modernização das práticas agrícolas e pecuárias. A promoção de uma cultura de prevenção, adaptação e resiliência também se torna essencial para fortalecer a capacidade das comunidades em lidar com futuros desastres climáticos, garantindo um futuro mais seguro e sustentável para todos os envolvidos no setor agropecuário do estado e do Brasil.
O diálogo entre governo, setor privado, cientistas, agricultores e sociedade é fundamental para o avanço de ações para promover a segurança alimentar, especialmente diante de eventos climáticos que além dos impactos humanitários imediatos, afetam a disponibilidade e o acesso aos alimentos. Sob essa perspectiva, te convidamos a participar do Diálogo Entre Solos sobre Adaptação Climática e Agricultura.
O Diálogo Entre Solos ocorreu presencialmente no dia 4 de setembro, em São Paulo, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e virtualmente pelo YouTube do Pacto Global da ONU – Rede Brasil – TBC. Confira as percepções de produtores rurais do Rio Grande do Sul!
Fontes:
LSPA - Levantamento Sistemático da Produção Agrícola. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9201-levantamento-sistematico-da-producao-agricola.html?utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=producao_agropecuaria
Os impactos da tragédia no Rio Grande do Sul sobre a produção e os preços dos alimentos. Insper Agro Global, 16, maio 2024. Disponível em: https://agro.insper.edu.br/midia/noticias/os-impactos-da-tragedia-no-rio-grande-do-sul
Perspectivas para a Agropecuária. Conab - Companhia Nacional de Abastecimento. Disponível em: https://www.conab.gov.br/perspectivas-para-a-agropecuaria
Rio Grande do Sul – Os impactos da tragédia que não pode se repetir. Agroanalysis, Fundação Getúlio Vargas, Vol. 44, N. 06, Junho 2024. Disponível em: https://www18.fgv.br/mailing/2024/Presidencia/FGV_Agro/Agroanalysis_Junho_2024/14/
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