Meio Ambiente

Meio Ambiente / 17/11/2021

O quebra-cabeça da sustentabilidade

A integração da produção agrícola, do rebanho, das florestas, das pastagens em um sistema único protege o meio ambiente e traz melhores resultados

O Brasil é o quarto maior produtor de grãos do mundo, possui o maior rebanho bovino e está em quarta posição na criação de frango. Depois de alcançar resultados incontestáveis de produtividade, o campo busca práticas de produção de alimentos, energia, fibras e madeira cada vez mais sustentáveis.

A Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) é uma das responsáveis por essa transformação. Com a estratégia de utilizar diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área, aumenta a biodiversidade e a matéria orgânica do solo, favorece o bem-estar dos animais e reduz a emissão de gases causadores de efeito estufa. Atualmente, o país tem ILPF em uma área de 15 milhões de hectares. Até 2030, a ideia é dobrar essa prática, chegando a 30 milhões de hectares.

O assunto é um quebra-cabeça complexo e também interessa aos consumidores urbanos como você, que costuma encher a geladeira com produtos à base de leite, comprar frutas na feira e é fã de arroz com feijão.

Saiba como a ILFP impacta o seu dia a dia nesta entrevista com a médica veterinária e pesquisadora sobre o tema na Embrapa Cerrados, Isabel Ferreira.

O que é a Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF)?

 

A ILPF é uma sigla que indica a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e significa que está tudo junto na mesma área ou em sucessão, um sistema após o outro. A lavoura é destinada às culturas de grãos, principalmente, milho, soja, algodão e sorgo. Ao produzir o grão neste sistema de integração, ele deixa de ser uma monocultura, uma cultura só do milho ou só da soja, e passa a ser diversificado. Na mesma área vamos plantar árvores, sendo que a espécie arbórea utilizada depende do objetivo do pecuarista, da região, do mercado consumidor para essa madeira. No caso dos animais, a integração do plantio do capim, que é uma forragem, um alimento barato somente ingerido pelos bovinos, é uma forma de diversificar e melhorar o solo aproveitando a fertilidade que veio da agricultura para obter uma pastagem de alta qualidade nutricional. À medida que os grãos foram colhidos e o capim plantado, os animais são inseridos nesse ambiente sombreado que vai atrair fauna e flora. Em alguns casos, as abelhas polinizam as espécies de árvores previstas pelo produtor e as frutíferas vão atrair pássaros. A diversidade biológica do ambiente tende a reduzir a carga de parasitas dos bovinos e favorece o bem-estar dos animais oferecendo, ainda, o conforto térmico, principalmente em regiões muito quentes.

Quais são os conceitos de sustentabilidade financeira, ambiental e do bem-estar animal dentro dos sistemas integrados?

Quando o produtor faz um negócio sustentável ele consegue perpetuar a atividade, do ponto de vista da viabilidade financeira, ao longo do tempo para sua família. Exemplo disso é quando o pecuarista planeja a disponibilidade de alimentação animal para as estações chuvosas e secas sem oscilar a produção. Ou quando tem receitas diversificadas, como a madeira, que tem retorno não imediato.

Do ponto de vista ambiental, o produtor pode equilibrar a produção pecuária com a plantação de árvores que sequestram carbono, favorecendo a equação ambiental. Quanto mais árvores conseguir plantar, ou mesmo manejar adequadamente essa pastagem, o produtor vai estar ambientalmente em equilíbrio.

O outro conceito hoje muito exigido pelo consumidor é que o produtor assegure o bem-estar animal. Quando ele vai à padaria consumir leite, quer saber se o leite vem de vacas saudáveis, sem doenças e se o produto foi adequadamente inspecionado, se está pasteurizado. Além disso, interessa cada vez mais saber se as vacas estão bem, sem sofrimento, se estão confinadas. O sistema integrado oferece, tanto do período chuvoso como seco, água e pastagens ao ar livre e em abundância, além de bom manejo dos recursos naturais, com o plantio de árvores e preservação de nascentes. Tudo isso hoje pode ser certificado e o consumidor final tem procurado esses alimentos nos supermercados, nas padarias, o que aponta para uma tendência para o consumo no futuro.  A rastreabilidade dos produtos é uma ferramenta muito interessante que o consumidor vem exigindo e o pecuarista tem que se adequar principalmente para atender aos grandes centros urbanos.

Além da boa qualidade sanitária, nutricional dos animais e dos alimentos, a certificação e a rastreabilidade permitem saber a origem do produto, se ele foi adequadamente produzido, a questão social dos trabalhadores.

No sistema de integração lavoura-pecuária-floresta realmente todo mundo ganha. O produtor é muito imediatista e, às vezes, não vê o ganho no curto prazo. É possível escolher uma pequena área e começar aos poucos e, ao longo do tempo, ter o ganho e incrementar a renda vendendo a madeira para retroalimentar e pagar as contas e ter um ambiente mais diverso.

Quando eu vou ao supermercado comprar leite, por exemplo, tenho como saber se esse leite veio de uma vaca proveniente do sistema de integração lavoura-pecuária-floresta?

Hoje ainda não.  Estamos iniciando esse processo. Pode até ter alguns casos isolados. Nas grandes cidades um caso específico é possível, mas no supermercado naquele leite que digamos popularmente todo mundo consome a gente ainda não tem. É uma tendência para o futuro, mas atualmente a gente ainda não dispõe dessa possibilidade. Já no gado de corte estamos uns dois passos à frente. Já existem certificadoras, a rastreabilidade, muito em função da exportação do mercado consumidor lá fora, dos europeus.

Como o Brasil é reconhecido lá fora em relação às estratégias de integração lavoura-pecuária-floresta?

É reconhecido por um público mais técnico, mas não pela grande massa consumidora. Por exemplo, o representante da COP 26 veio ao Brasil uns meses antes, em abril ou maio deste ano, e visitou uma área experimental da Embrapa Cerrados. Ele deu uma declaração dizendo que o mundo deveria seguir esse exemplo. Têm pessoas estratégias em determinadas posições que realmente reconhecem tecnicamente. Quando a gente está em congressos, os artigos que a gente publica são aceitos na comunidade científica. Tecnicamente, o sistema é reconhecido, e não apenas o Brasil adota a ILPF. A Colômbia, a Guatemala e outros países tropicais também adotam a prática.

As mudanças climáticas estão afetando todo mundo, em todas as áreas, na cidade e no campo. Queimadas e falta d’água são apenas uma parte dessa realidade cada vez mais assustadora. A integração lavoura-pecuária-floresta pode ser uma resposta em termos de melhoria ou resistência a essas mudanças climáticas?

Sim. Os estudiosos falam de resiliência e de adaptação às mudanças climáticas. É uma estratégia interessante a ser adotada e vários estudos indicam a questão das emissões, a questão do equilíbrio, do ciclo hidrológico da água, para controlar esses excessos de calor e de chuva. Passa um tempão com seca, depois vem aquela tempestade, tudo em excesso, às vezes, volume de chuva muito grande em espaço curto de tempo. Todas essas são mudanças climáticas que estão afetando a todos e o sistema integrado busca equilíbrio, então é uma alternativa interessante que a gente acredita e muitos estudos já apontam nesse sentido.

Você pode explicar em detalhes como a ILPF ajuda a reduzir os gases de efeito estufa do campo, na produção agrícola, pecuária e em tudo o que se faz visando a produção de alimentos no Brasil?

Fisiologicamente os ruminantes produzem metano.

Os bois, cabras e ovelhas ingerem o alimento e as bactérias e fungos do rúmen (que é o primeiro estômago de um total de quatro) degradam a forragem e, como resultado, vão eliminar gases, entre eles o metano. O animal eructa ou arrota emitindo os gases que contribuem para o aquecimento global. E quanto mais tempo o animal ficar na área, imaginando uma produção de carne ou de leite, mais gases ele vai produzir. Se a pastagem for ruim, o tempo de engorda aumenta e, consequentemente, as emissões de metano também.

Se, ao contrário, o rebanho estiver no sistema integrado, com uma pastagem de qualidade, é possível abater animais dois anos mais jovens, reduzindo pela metade a quantidade de emissões de gases.

Há diversas formas de compensar e neutralizar o que é o processo fisiológico pela alimentação formulando dietas diferentes e uma das alternativas mais baratas é a forragem adequadamente manejada. Se a forragem está velha, com muita fibra, seca, o animal vai consumir, ganhar pouco peso ou produzir pouco leite e emitir muito metano. Se a forragem está boa emite menos. E o porquê da árvore?  A árvore que está no ambiente, parada, sequestra carbono no tronco e na raiz.
As emissões da pecuária são tidas como vilãs, só que as da indústria, dos veículos, são muito maiores. As grandes cidades poluem e promovem o aquecimento global em escala muito maior do que a zona rural, mas a pecuária fica como vilã porque tem aquela coisa de não ser ambientalmente correto ter uma pastagem degradada ou uma produção que demora muito para abater o animal e que não tem manejo adequado dentro das boas práticas.

Pensando na situação ideal de adoção de sistemas ILPF em todas as regiões do Brasil, ao seu ver, quantos anos levaria para alcançar esse objetivo?

Nossa, eu acho isso difícil pela questão da resistência do produtor ao componente arbóreo. Ele tem uma resistência grande. Eu acho que para tomar toda a extensão a gente não consegue, mas uns 50% acho que sim. Falta muito incentivo fiscal de política pública mesmo para estimular os produtores. Precisa estruturar melhor a cadeia.  Há região produtora de leite, por exemplo, que não tem uma cadeia de laticínios, não consegue captar o leite ou não é vantajoso buscar o leite. E o mesmo acontece com a madeira. Acredito que em 30 anos a gente vai conseguir ampliar muito esses 50%. É um chutômetro sim, com pé no chão.

Bio Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Lavras, mestrado e doutorado em Zootecnia pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais, Isabel Cristina Ferreira é pesquisadora da Embrapa Cerrados. Liderou projeto de longa duração na Embrapa sobre sistemas de produção de leite e zebuínos leiteiros em Integração Lavoura Pecuária Floresta. A experiência de Isabel está centrada nas áreas de zootecnia, produção e manejo Animal, ILPF, comportamento animal, ambiência e bem-estar animal, entre outras

Principais fontes

Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
 - https://www.embrapa.br/


Emater- Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
 - https://www.emater.mg.gov.br/


Senar - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
 - https://faespsenar.com.br/ 


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