As notícias sobre o desmatamento estão em evidência nos últimos anos. As estimativas variam conforme a fonte, mas há um consenso de que já tenha desaparecido entre 10% e 12% da floresta amazônica em todos os países nos quais ela faz parte.

O desmatamento no Brasil é medido anualmente pelo governo. A estimativa oficial é que aproximadamente 18% da Amazônia brasileira já tenha sido desmatada. O aumento das emissões de carbono pode criar um perigoso ciclo vicioso, no qual o desmatamento retroalimenta a seca e o calor, e a seca e o calor agravam a degradação da floresta.

Entre os principais prejuízos que o país e todo o mundo podem ter com o aumento do desmatamento estão: perda da biodiversidade; degradação do habitat; modificação do clima mundial; perda do ciclo hidrológico; e os impactos sociais.

Dados do sistema DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), divulgados em agosto deste ano confirmam a tendência dos meses anteriores: os alertas de desmatamento na Amazônia permanecem em patamares inaceitáveis. Até 30 de julho, faltando um dia para o encerramento do intervalo oficial (agosto-julho) da taxa anual de desmatamento aferida pelo Sistema Prodes (INPE), o sistema de alertas apontou para uma área desmatada de 8.712 Km2, o segundo maior acumulado da série histórica do Deter-B, somente menor que o de 2020.

Em relatório recente divulgado pelo MapBiomas mostra que o garimpo e a mineração têm causado grande devastação. O levantamento aponta que as áreas devastadas pelo garimpo dobraram em dez anos, saindo de 99 mil hectares em 2010 para 196 mil hectares em 2021 (equivalente ao tamanho da cidade de São Paulo). A mineração industrial também subiu de 86 mil hectares de área ocupada em 2001 para 170 mil no ano passado. Os estados que mais perderam floresta para mineração foram Pará e Mato Grosso, enquanto o garimpo atingiu mais as unidades de conservação e territórios indígenas na Amazônia.

Para analisar essa situação e o contexto atual do desmatamento no Brasil, o Entre Solos – Semeando Conexões traz hoje uma entrevista exclusiva com o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas – Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil, consultor e empreendedor social em sustentabilidade, floresta e clima. Confira.

Como o MapBiomas analisa os desmatamentos no Brasil?

O último relatório anual de Desmatamento foi publicado em julho, referente ao ano de 2021, e também traz dados de 2019 e 2020, e mostra que o desmatamento está crescendo em todos os biomas brasileiros, não é um fenômeno concentrado só na Amazônia, mas ele cresce na Amazônia, no Cerrado, na Caatinga, no Pantanal, na Mata Atlântica. No total a gente identificou quase 70 mil, foram 69.796 eventos de desmatamento no Brasil em 2021, com área total de 16.557 km2 e se a gente olha isso somando 2019, 2020 e 2021, foram identificados quase 42 mil km2 de desmatamento, o que é praticamente um estado do Rio de Janeiro, que foi desmatado em um período de três anos no Brasil. Então é um fenômeno bem forte e em processo de aceleração.

Um dos produtos do MapBiomas, que a gente chama de MapBiomas Alerta, avalia cada um dos eventos de desmatamento que ocorrem no Brasil captados pelos diferentes sistemas existentes. São 11 sistemas que têm detecção de desmatamento no Brasil. A gente coleta esses alertas de desmatamento, valida um por um e com isso a gente tem, para cada evento de desmatamento, um relatório específico.

Com base nisso, a gente consegue fazer anualmente uma análise, levantamento, e a gente publica toda semana. A cada semana a gente publica cerca de 1.000/1.500 alertas que foram validados conforme seus respectivos relatórios e para todos os biomas do Brasil. É um sistema que colhe todos os biomas, e que para cada evento de desmatamento, mostra um relatório novo, para que tanto o poder público, quanto a sociedade civil e qualquer um, possa acessar. Esse sistema está funcionando desde janeiro de 2019.

Anualmente, a gente também produz o nosso Manual Anual de Desmatamento, que consolida as informações de um ano todo. Informações como a velocidade do desmatamento, como ele está evoluindo em cada um dos biomas, tamanho máximo, médio e mínimo, uma avaliação sobre os indícios de ilegalidade de cada um, e assim por diante.

Quais são os principais impactos que o desmatamento traz para a economia brasileira?

Uma das características do desmatamento é que ele provoca uma mudança no ciclo de águas, e então o Brasil tem perdido a superfície de água ao longo dos anos. O Brasil perdeu 15% da superfície de águas nos últimos 30 anos, entre 1990 e 2020, como apuramos no MapBiomas. Isso tem relação com as mudanças do clima, mas também com a redução da cobertura da vegetação nativa. E essa perda de água é só um dos exemplos de consequência negativa que você pode ter, além da questão dos polinizadores e outros.

No caso da água, ela afeta diretamente a geração de energia elétrica no Brasil. A energia fica mais cara quando você tem menos água nos reservatórios, porque a gente tem que acionar as termoelétricas, que são mais caras e menos poluentes, e também, com a estiagem, causa prejuízos na produção agropecuária. Por tudo isso, o desmatamento tem um efeito forte na economia, especialmente esse efeito de impacto na produção de energia e na produção agropecuária.

E do ponto de vista social, daqueles que moram e dependem daquela região para sobreviver?

O desmatamento também representa uma pressão forte sobre aquelas populações que a gente chama de povos da floresta, que vivem e dependem desse recurso. Esse é o caso das populações indígenas, quilombolas e das populações extrativistas. Por isso, existe uma pressão grande, inclusive de invasão das áreas e de ocupação ilegal dessas áreas, que está sempre associada ao desmatamento, seja pelo garimpo, seja pela extração ilegal de madeira, seja pela grilagem de terras públicas, ou mesmo pelo desmatamento para implantação de agropecuária.

Em uma entrevista, você falou sobre transformar os produtos da floresta em negócio, aqueles provenientes de produção sustentável. Comente.

Proteger a floresta e evitar o desmatamento não significa impedir que aquela região tenha atividade econômica. Pelo contrário, a gente tem várias atividades econômicas que podem ser feitas a partir da conservação da floresta. Um bom exemplo são os produtos que vêm da floresta manejada sustentavelmente. Tanto pode ser madeira – por meio de concessões florestais, manejo florestal certificado – , quanto industrial ou comunitário, produzindo vários produtos, como as castanhas, os óleos vegetais, o cacau, entre outros oriundos de sistemas florestais e agroflorestais que conservam a floresta em pé. A floresta também é economia.

O clima de todo o Brasil é influenciado pelo que ocorre na Amazônia?

A Amazônia influencia o clima em todo o Brasil. Então você tem o principal fator que é a chuva, porque uma parte importante da umidade que vem para a região Centro-Sul do Brasil vem da Amazônia. 80% da chuva vem da Amazônia. Em lugares como o Pantanal, por exemplo, você tem até um pouco mais. Então, o que acontece na Amazônia influencia o clima do restante do Brasil. Esse efeito dos rios com a umidade é o que a gente chama de rios voadores, que transportam pelas árvores, evaporam água, e esse vapor d’água é transportado para a região centro-sul do Brasil fazendo chover aqui. Então quando você reduz a Amazônia, você reduz também a quantidade de chuva que se tem no restante do Brasil.

Na sua opinião, como se pode combater os desmatamentos ilegais?

Para eliminar, para acabarmos com o desmatamento ilegal, para poder confrontar isso, a primeira ação é embargar as áreas que estejam desmatadas com indícios de ilegalidade. E fazer com que elas permaneçam embargadas até que seja resolvido ou esclarecido que isso foi ilegal, ou seja feita a recuperação da área. Então, o embargo é importante porque é uma medida administrativa. Você bloqueia a área para receber novos financiamentos, vender produtos, ter uma rede de produção, e viabiliza que essas áreas sejam regularizadas do ponto de vista fundiário. Então a medida mais importante é fazer o embargo em larga escala dessas áreas.

Por outro lado, a gente tem uma necessidade de fazer desobstrução das áreas protegidas. Ela é importante para mandar um sinal claro de que quem desmatar áreas protegidas não terá qualquer forma de se beneficiar sobre ela. Em geral, para o combate a uma atividade ilegal como o desmatamento, você tem que garantir três coisas: primeiro que, se você desmatar, será detectado. Segundo, que se for detectado, será responsabilizado. E terceiro, que sendo responsabilizado, isso terá consequências e você não conseguirá se beneficiar daquele desmatamento.

Então são três coisas que precisam acontecer. Na primeira, a gente tem os sistemas de detecção no Brasil, que são muito bons, e a gente já consegue hoje reportar. O Brasil é o único país do mundo que tem um sistema como MapBiomas Alerta, em que você consegue reportar cada um dos desmatamentos individualmente com o relatório, identificando as responsabilidades. Então é importante que isso seja transformado em ações. Hoje, só 27% das áreas desmatadas tiveram alguma ação.

Por isso, ainda temos muito chão para correr, para que todo mundo seja responsabilizado. Não se beneficiar é fundamental para os bancos, os agentes privados. Portanto, é importante que os bancos não deixem recursos irem para essas áreas que foram desmatadas, em especial as desmatadas ilegalmente, e também é importante que os agentes econômicos, numa cadeia de produção, não comprem e não recebam produtos dessas áreas que foram desmatadas ilegalmente. Esses são os principais fatores.

Em quanto tempo e como é possível recuperar as áreas desmatadas?

A gente tem que fazer um esforço grande para a recuperação das áreas desmatadas, principalmente as irregulares. Já existe no Brasil, e a gente mostrou isso pela coleção 7 do MapBiomas, uma análise da cobertura e do uso da terra do Brasil desde 1985 até 2021. Identificamos que já existem no Brasil cerca de 45 milhões de hectares de vegetação secundária. Ou seja, áreas que já foram desmatadas uma vez e que estão em crescimento e estão recuperando sua vegetação nativa. Isso é uma área que equivale a dez vezes o estado do Rio de Janeiro.

O problema é que essas áreas que estão em recuperação, que são áreas gigantescas, independente do plantio, geralmente a vegetação nelas é natural. E essas áreas também estão sofrendo processo de desmatamento, que proporcionalmente é maior que o processo de desmatamento de vegetação. Então, talvez a parte mais importante que a gente tem pelos processos de restauração é proteger as áreas de vegetação secundária que estão em recuperação para que elas não sejam novamente desmatadas. É óbvio que plantar é importante, mas manter as áreas de vegetação secundária talvez seja a estratégia mais eficiente de se ter grandes áreas de recuperação em um país continental como o Brasil.