O desafio de se produzir, processar e distribuir alimentos de qualidade e para todos tem se tornado ainda mais complexo frente às mudanças climáticas, escassez de recursos naturais, e conflitos políticos. Não por acaso, o debate sobre transição dos sistemas alimentares foi intensificado nos últimos anos, culminando em compromissos globais assumidos na COP28.

De fato, a compreensão dos sistemas alimentares é fundamental para abordar questões relacionadas à segurança alimentar, sustentabilidade, equidade, saúde pública, desenvolvimento rural e meio ambiente.

A natureza multifacetada dos sistemas alimentares por si só, já justificaria grande parte dos esforços para sua transformação rumo ao desenvolvimento sustentável. No entanto, o contexto atual, eleva significativamente a urgência da transição dos sistemas alimentares para modelos mais sustentáveis, resilientes, inclusivos e saudáveis.

O que são sistemas alimentares?

Os sistemas alimentares englobam todas as etapas envolvidas desde a produção de alimentos (agricultura, pesca, pecuária) até o consumo final. Ou seja, eles contemplam as redes de produção, distribuição, comercialização, consumo e descarte de alimentos em uma determinada região ou país.

Se pensarmos que abrangem a produção primária de alimentos, fica evidente que o processo contempla desde o acesso à terra, à água e aos meios de produção. Até formas de processamento, abastecimento, comercialização e distribuição. E, vão além disso, pois reúnem aspectos relacionados à escolha, preparo e consumo dos alimentos. Incluindo as práticas alimentares individuais e coletivas, até a geração e a destinação de resíduos.

Desta forma, um sistema alimentar reúne diversos elementos (ambiente, pessoas, processos, infraestruturas e instituições) e atividades que se relacionam com a produção, processamento, distribuição, preparo e consumo de alimentos.

Uma longa jornada com muita gente envolvida até a chegada dos alimentos aos nossos pratos

Diante da complexidade, é fácil prever que os sistemas alimentares engajam muita gente. Dele fazem parte diversos atores, como agricultores, pescadores, criadores de animais, processadores de alimentos, distribuidores, varejistas, consumidores, governos, organizações não governamentais (ONGs) e empresas privadas. Todos esses atores interagem em uma série de cadeias de valor e redes de abastecimento. A fim de se produzir e distribuir alimentos para atender às necessidades da população.

Outro aspecto importante a considerar é que os sistemas alimentares são altamente influenciados por fatores econômicos, sociais, ambientais, culturais e políticos. Eles podem variar de uma região para outra, dependendo do clima, geografia, recursos naturais, práticas agrícolas e culturais, políticas governamentais e níveis de desenvolvimento econômico.

Quando consideramos a interdependência dos diferentes elos que compõem as cadeias de fornecimento de alimentos, podemos prever que quando uma parte é afetada, uma boa parte da cadeia acaba sofrendo os efeitos. A manifestação disso, muitas vezes ocorre na forma de alterações nos preços ou na própria legitimidade ou aceitação de um produto.

Como os sistemas alimentares se conectam com as mudanças climáticas?

As mudanças climáticas afetam diretamente as condições de cultivo, incluindo temperatura, precipitação, disponibilidade de água e incidência de pragas e doenças. Isso pode alterar os padrões de produção agrícola, reduzindo a produtividade de certas culturas em algumas regiões e favorecendo o crescimento em outras. Como resultado, podemos sofrer com escassez de alimentos, aumento dos preços e insegurança alimentar.

Ao mesmo tempo, o setor de produção de alimentos e uso da terra são responsáveis por um terço das emissões globais de gases do efeito estufa. Portanto, a maneira como produzimos e consumimos os alimentos também exerce uma influência importante nas possibilidades para zerar o desmatamento e reduzir as emissões de metano até 2030, metas críticas para o cumprimento dos compromissos climáticos globais.

Neste contexto, os sistemas alimentares devem abordar as necessidades de segurança alimentar e nutricional e facilitar ações alinhadas com os objetivos de mitigação, adaptação e resiliência das agendas do clima.

Em busca de sistemas alimentares mais resilientes, inclusivos e sustentáveis

O alcance da segurança alimentar em um planeta que enfrenta as mudanças climáticas e escassez de recursos naturais depende da transformação dos sistemas alimentares para modelos mais eficientes, inclusivos, resilientes e sustentáveis. Tudo isso, em busca de ​​uma melhor produção, melhor nutrição, melhor qualidade de vida, sem deixar ninguém para trás.

A transformação se refere a mudanças nas formas como os alimentos são produzidos, distribuídos, acessados, consumidos e descartados em uma determinada sociedade ou região. Para isso, é essencial promover práticas agrícolas sustentáveis. Além de adaptar os sistemas de produção de alimentos às mudanças climáticas, desenvolver variedades de culturas resistentes ao estresse climático, melhorar a gestão de recursos naturais. Assim como, reduzir as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção e distribuição de alimentos.

Todas essas condições são fundamentais para se alcançar a segurança alimentar e promover sistemas alimentares sustentáveis no futuro. Contudo, envolvem mudanças que demandam uma combinação de esforços de governos, organizações da sociedade civil, empresas privadas, agricultores e consumidores. Um compromisso de todos e para todos!

Transição justa

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), quando o mundo se organiza para uma mudança de perspectiva na área de alimentos e agricultura, ressalta não somente a necessidade de se atender ao direito à alimentação, mas também de que os novos sistemas alimentares poderão impactar positivamente a natureza e o clima.

No entanto, para que as declarações se transformem em ações, é preciso reconhecer e apoiar as diversidades dos sistemas alimentares, considerando as mudanças e seus impactos para cada elo das cadeias.

Na COP 28, a FAO lançou um roteiro para transformar os sistemas alimentares com o objetivo de manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C e acabar com a fome. Nele, é proposto um extenso processo, contemplando ações e práticas agrícolas voltadas ao aumento de produtividade, redução de emissões e desperdício de alimentos. Visando integrar assistência técnica e planos de investimento sustentáveis para promover uma transição justa e segura.

Onde estamos?

Sem dúvida, os sistemas alimentares devem abordar as necessidades de segurança alimentar e nutricional. Além de facilitar diversas ações alinhadas aos objetivos de mitigação, adaptação e resiliência no âmbito mais amplo da ação climática. Inclusive, a própria agenda climática poderá apoiar as transformações dos sistemas alimentares. Incluindo a mobilização de recursos para alavancar os potenciais do setor de alimentos e agricultura.

Contudo, não se pode imaginar que uma transição aconteça subitamente, como um processo único, centralmente planejado e unificado. É mais provável acompanharmos a soma de inúmeras transições parciais, descentralizadas, com origens e trajetórias locais, autônomas umas das outras, mas conectadas por diversas interações.

Portanto, precisamos avançar com a agenda climática, priorizando a condução de uma transição justa para todos e voltada a construção de sistemas alimentares mais resilientes, inclusivos e sustentáveis.