O mês de maio deste ano foi marcado por um dos piores desastres naturais de origem climática já registrados no Brasil, as enchentes do Rio Grande do Sul. O evento de cheia e transbordamento dos rios resultante de chuvas volumosas que começaram a atingir o estado a partir do dia 27 de abril teve duração de mais de um mês e registrou inundações na maioria do seu território.
Fomos todos impactados pelas imagens de cidades inteiras submersas, de pessoas e animais ilhados, de voluntários trabalhando nos resgates e comboios de ajuda humanitária chegando às regiões afetadas. Mas, o fato é que com a maior parte dos municípios gaúchos atingidos, mais precisamente 94% das 497 cidades do estado, a tragédia humanitária que presenciamos vai além das fronteiras da federação.
Sem dúvida, nada pode ser pior do que a crise humanitária decorrente da tragédia climática. Contudo, o impacto econômico sobre o estado também será grande e com potencial de impactar a todos os brasileiros. Por ser um estado de grande importância na produção agropecuária brasileira, algumas cadeias dentro desse setor foram bastante afetadas, o que deve resultar em alta de preços no mercado para alguns produtos. Perdas no campo e nos estoques, danos em instalações e maquinário, além de prejuízos para o escoamento das colheitas e a chegada de insumos estão entre os principais desafios que atingem os gaúchos e poderão afetar a todos nós.
Relevância do estado para a atividade econômica e produção agropecuária
O Rio Grande do Sul (RS) é o 4º estado mais importante do país em termos de atividade econômica. De acordo com números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2021 (dado mais recente), o produto interno bruto (PIB) do estado foi de R$ 581 bilhões, o que representou 6,5% do PIB nacional no ano.
No setor agropecuário, o RS é a segunda maior economia em termos de PIB, representando 12,7% do total nacional, ficando atrás apenas de Mato Grosso, segundo aponta o IBGE. De acordo com os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o RS lidera a produção de arroz (70% da produção nacional), trigo, canola, aveia e uvas (47%). O estado também tem grande tradição na pecuária, sendo o terceiro maior produtor de suínos (20%), e se destaca na produção de frangos e leite.
Na agroindústria, é a terceira economia mais relevante em termos de Valor de Transformação Industrial (VTI), contribuindo com 11,5% do total nacional.
Em resumo, a agropecuária e a agroindústria do Rio Grande do Sul têm uma grande importância para o País. Por conta disso e pela relevância dos produtos do setor para os consumidores brasileiros, os possíveis impactos da tragédia climática sobre o agronegócio são os que mais chamam a atenção.
O que aconteceu com os produtos agropecuários do RS?
Arroz
70% do arroz que consumimos é produzido no Rio Grande do Sul. Das 10 milhões de toneladas que o país produz anualmente, cerca de 7,3 milhões de toneladas na safra 2023/24 são gaúchas, segundo dados da Conab. Apesar do atraso da safra por conta do El Niño, cerca de 80% do arroz já havia sido colhido no período das enchentes. Para o que não foi colhido, estima-se risco de perdas em torno de 1,2 milhão de toneladas, impactando temporariamente nos preços do alimento.
Trigo
O trigo também é uma cultura essencial, com o Rio Grande do Sul sendo o maior produtor nacional, responsável por mais de 46,1% da produção esperada, cerca de 4,2 milhões de toneladas na safra de 2024. O plantio de trigo inicia-se em maio e se estende até julho, sendo, portanto, possível realizá-lo. Entretanto, a produção de trigo, que já estava prevista para cair 4,3% no estado, poderá ser menor ainda em função das condições do solo e dos desafios logísticos e financeiros decorrentes das enchentes.
Soja
A soja figura como um importante produto agrícola, com o estado contribuindo com 14,5% da produção nacional, estimada pela Conab em 21,4 milhões de toneladas para a safra de 2023/24. No entanto, as enchentes afetaram aproximadamente 1,2% da área plantada, resultando em perdas estimadas em mais de 1 milhão de toneladas, de acordo com a Embrapa Territorial. Embora essa quebra não deva afetar os preços globais devido às grandes safras previstas no Centro Oeste e Estados Unidos, os preços locais já demonstram aumento decorrente das enchentes no mercado interno.
Aves e suínos
Muitas unidades produtivas de aves e suínos foram afetadas. Já nas primeiras duas semanas, ao menos 10 grandes unidades industriais foram paralisadas e com dificuldades para operar, devido à falta de energia elétrica e às dificuldades logísticas para entrega de combustíveis para os geradores, segundo informações da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
A avicultura sofreu com a perda de mais de 300 mil aves, segundo a Associação Gaúcha de Avicultura (ASGAW). Além de danos às estruturas e material genético nas regiões afetadas, especialmente no Vale do Taquari.
Na suinocultura, apesar de perdas localizadas, principalmente nas regiões do Vale do Taquari, do Vale do Caí e da Serra Gaúcha, as estimativas da ABPA indicam que a produção não será comprometida significativamente, tanto para o mercado interno quanto para as exportações. Entretanto, os produtores enfrentam desafios logísticos e de infraestrutura após as enchentes.
Pecuária leiteira e de corte
A pecuária leiteira já vinha enfrentando dificuldades por conta de anos consecutivos de estiagem, e as enchentes exacerbaram esses desafios, afetando ainda mais as margens de lucro dos produtores.
O problema da produção se agrava por causa da perecibilidade e da necessidade de refrigeração de laticínios e carnes. As dificuldades com a logística perturbam a coleta do leite in natura nas unidades rurais, o fornecimento de rações e de insumos. Na bovinocultura de corte, além das perdas de animais, as pastagens encharcadas complicam o manejo do rebanho, adicionando novos desafios operacionais aos produtores.
O que vem por aí?
É importante dizer que mesmo que grande parte dos impactos das enchentes na produção agropecuária do Rio Grande do Sul não nos atinjam diretamente no primeiro momento, é preciso refletir sobre o impacto da catástrofe sobre o produtor rural da região para as próximas safras.
Com perdas e efeitos diretos das enchentes, o produtor gaúcho deverá ter problemas com relação à capacidade de investimento em produção nas próximas temporadas, o que poderá levar a um desequilíbrio entre a oferta e a demanda por produtos alimentares.
As inundações provocadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul terão impactos duradouros na agricultura, em virtude de solos encharcados que vão dificultar o plantio da próxima safra. Muitos produtores do Rio Grande do Sul provavelmente serão forçados a abandonar suas culturas tradicionais e adotar outras. Portanto, haverá necessidade de um reajuste das atividades agrícolas e pecuárias na região.
Como vamos superar essa situação?
É necessário olhar para a tragédia climática que ocorreu no Rio Grande do Sul sob uma perspectiva mais ampla. Há muitos fatores que concorreram e convergiram para a crise humanitária e ambiental que assolou o estado. Todos são relevantes e merecem um olhar cuidadoso dada sua complexidade e interconexão.
No entanto, chuvas e secas prolongadas, cada vez mais intensas são a nova realidade do Brasil, e preparar os estados brasileiros é uma tarefa urgente. Vivemos tempos extremos. Não se pode minimizar a dificuldade de planejamento e execução de planos efetivos de prevenção e gerenciamento de riscos de desastres naturais, no Brasil ou em outros países.
Mas, é importante lembrar que os impactos das mudanças climáticas afetam desproporcionalmente os mais vulneráveis, e nos obrigam a buscar soluções de adaptação urgentemente. Não faltam dados qualificados de previsões climatológicas e de análise de risco, exposição e vulnerabilidade no país. As soluções passam por medidas de gestão de risco, como sistemas eficientes de alertas e gestão de desastres. O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), tem indicado há tempos o alto nível de risco do país aos impactos de eventos extremos de precipitação, seca, assim como de eventos gradativos, como a elevação do nível do mar.
Diante desse cenário desafiador do Rio Grande do Sul, é crucial implementar medidas eficazes de reconstrução das infraestruturas e apoio às comunidades rurais afetadas. Além disso, políticas públicas devem ser direcionadas para o desenvolvimento sustentável, manejo eficiente dos recursos naturais e modernização das práticas agrícolas e pecuárias. A promoção de uma cultura de prevenção, adaptação e resiliência também se torna essencial para fortalecer a capacidade das comunidades em lidar com futuros desastres climáticos, garantindo um futuro mais seguro e sustentável para todos os envolvidos no setor agropecuário do estado e do Brasil.
Diálogo Entre Solos
O diálogo entre governo, setor privado, cientistas, agricultores e sociedade é fundamental para o avanço de ações para promover a segurança alimentar, especialmente diante de eventos climáticos que além dos impactos humanitários imediatos, afetam a disponibilidade e o acesso aos alimentos. Sob essa perspectiva, te convidamos a participar do Diálogo Entre Solos sobre Adaptação Climática e Agricultura.
O Diálogo Entre Solos ocorreu presencialmente no dia 4 de setembro, em São Paulo, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e virtualmente pelo YouTube do Pacto Global da ONU – Rede Brasil – TBC. Confira as percepções de produtores rurais do Rio Grande do Sul!