A contribuição da ciência e das mulheres na ciência vem sendo cada dia que passa mais valorizada. Notícias como a de 28 de fevereiro de 2020, quando o Brasil testemunhou um grupo de pesquisa liderado por mulheres sequenciar o genoma do coronavírus em apenas 24 horas, tempo recorde, já que até então a média de outros países havia sido 15 dias, são feitos que entram para a história e abrem portas para novas profissionais, nas mais diversas áreas do conhecimento. 

Não é de hoje que tem muitas mulheres trabalhando para melhorar o mundo, várias que já entraram para os livros e se foram. Mas ainda tem muita gente ativa e atuante. Na agricultura, na pecuária e nos diversos campos que estão diretamente relacionados com a produção de alimentos, essa atuação é muito forte e crescente.

E há também programas de incentivo para que jovens sigam esse caminho, como por exemplo os projetos Meninas na Ciência, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e o Projeto Menina Ciência – Ciência Menina, da UFABC (Universidade Federal do ABC), em São Paulo. Porém, para olhar para o futuro dessas jovens futuras cientistas, é preciso valorizar quem abriu caminho para elas, principalmente no estudo das técnicas e usos agrícolas.

JOHANNA DÖBEREINER é um dos grandes nomes da ciência na agricultura do Brasil e do mundo! Ela nasceu na Tchecoslováquia, filha de um professor de Química na Universidade de Praga e também proprietário de uma pequena fábrica de produtos químicos para uso na agricultura. No fim da Segunda Guerra Mundial, sua família foi perseguida e separada. Johanna foi para a Alemanha Oriental com seus avós, onde trabalhou numa fazenda ordenhando vacas e espalhando esterco para adubar o solo. Depois que os avós morreram, ela reencontrou na Bavária seu pai, irmão, tia e primas. Sua mãe faleceu em Praga, num campo de concentração. Johanna se mudou então para Munique onde começou trabalhando numa pequena propriedade rural e, depois, numa maior, produzindo variedades melhoradas de trigo. Com toda essa experiência, pegou gosto pelo trabalho rural e, em 1947, começou a cursar Agronomia na Universidade de Munique, onde conheceu seu futuro marido, estudante de Veterinária.

Em 1951, seguindo seu pai, Johanna veio para o Brasil com uma recomendação para trabalhar no Serviço Nacional de Pesquisa Agropecuária, onde começou pesquisando Microbiologia de Solos. A cientista naturalizou-se brasileira em 1956. Um ano depois, era pesquisadora assistente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi­co (CNPq) e, em 1968, pesquisadora conferencista. Entre 1963 e 1969, quando poucos cientistas acreditavam que a fixação biológica de nitrogênio (FBN) poderia competir com fertilizantes minerais, Johanna iniciou um programa de pesquisas sobre os aspectos limitantes da FBN em leguminosas tropicais. O programa brasileiro de melhoramento da soja, iniciado em 1964, foi influenciado – como tantas outras pesquisas nas regiões tropicais – pelos trabalhos da cientista. Totalmente baseado no processo de FBN, o programa brasileiro de melhora­mento da soja desenvolveu-se no sentido inverso ao da orientação dos EUA, maior produtor mundial de soja, que elaborava tecnologias de produção apoiadas no uso intensivo de adubos nitrogenadas. Os estudos da Dra. Johanna permitiram que a fixação do nitrogênio pelas plantas fosse feita pela bactéria rhizobium. Dessa forma, a soja gerava seu próprio adubo, o que representou uma economia anual de mais de 2 bilhões de dólares para o Brasil. Foi assim que os produtores brasileiros de soja puderam ver diminuídos seus custos de produção e a soja conseguiu competir com sucesso no mercado internacional. O trabalho da Dra. Döbereiner permitiu o desenvolvimento de parcerias nacionais e internacionais com a Alemanha, os Estados Unidos e a Bélgica, assim como com outros países do Terceiro Mundo no qual a Embrapa Agrobiologia é considerada centro de excelência. Seu trabalho influenciou vários pesquisado­res

“Na década de 60, ir contra a adubação química era quase um sacrilégio. Os fertilizantes estavam revolucionando a agricultura. Só muito tempo depois, vi que nossas pesquisas não só permitiam uma produção mais barata como também mais ecológica, porque não poluíam os rios nem o solo”. Johanna, agosto 1996

Johanna escreveu mais de 500 títulos, foi professora e orientadora de vários cientistas que hoje ocupam posição de destaque na pesquisa e na administração da pesquisa no Brasil. A cientista teve assento na Academia de Ciência do Vaticano e foi um dos poucos brasileiros a ter o nome presente na lista de indicações ao Prêmio Nobel. Ela foi indicada ao Nobel de Química aos 72 anos. Também recebeu inúmeros prêmios e homenagens. Liderou a pesquisa no então Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola do Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas – o precursor da Embrapa Agrobiologia – e orientou bolsistas que hoje estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Em uma época em que a agricultura tinha presença masculina gigantesca, ela foi a exceção. Ela viveu toda a sua vida no município fluminense de Seropédica, Rio de Janeiro, onde criou os três filhos ao lado do marido, o médico veterinário Jürgen Döbereiner. Morreu em 2000, aos 75 anos.

“Não tem nada de mais na vida de um cientista. É rotina como outra qualquer. Só que meu escritório é um laboratório. Sou uma camponesa no laboratório.”

 

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MARIANGELA HUNGRIA é outro grande nome da ciência no Brasil e no mundo.  A pesquisadora da Embrapa Soja ocupa a primeira posição brasileira e é a única da América do Sul no ranking dos 100 principais cientistas em Fitotecnia e Agronomia (Plant Science and Agronomy), publicado pelo Research.com, um site que oferece dados sobre contribuições científicas em nível mundial. O ranking considerou perfis de 166.880 cientistas do mundo em 21 áreas das ciências. Apenas na área de Fitotecnia e Agronomia, foram examinados mais de 2.575 perfis. Neste ranking, constam 36 brasileiros, nove da Embrapa, sendo dois renomados cientistas já falecidos, Nand Kumar Fageria (Embrapa Arroz e Feijão) e Johanna Döbereiner (Embrapa Agrobiologia), já destacada neste artigo. 

“A agricultura do futuro precisa de ciência, de pesquisa. Claramente o ranking indica baixo investimento em pesquisa na agricultura, que precisa ser revertido se não quisermos ser apenas importadores de tecnologias de ponta na agropecuária”.

Mariangela Hungria é graduada em Engenharia Agronômica (USP-ESALQ), com mestrado em Solos e Nutrição de Plantas (USP–ESALQ), doutorado em Ciência do Solo (UFRRJ) e pós-doutorado em três universidades: Cornell University, University of California-Davis e Universidad de Sevilla. A pesquisadora é comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Já é pesquisadora da Embrapa desde 1982 e atua na Embrapa Soja desde 1991. Também é professora e orientadora da pós-graduação em Microbiologia e em Biotecnologia na Universidade Estadual de Londrina e no curso de Bioinformática na Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

A cientista representou a área ambiental e do solo da Sociedade Brasileira de Microbiologia por 20 anos. Também foi a primeira presidente da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e atuou como vice-presidente e presidente da RELARE (Reunião da Rede de Laboratórios para a Recomendação, Padronização e Difusão de Tecnologia de Inoculantes Microbianos de Interesse Agrícola), que reúne representantes da pesquisa, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e do setor privado. 

No exterior, também atua fortemente, fazendo parte do comitê coordenador do projeto N2Africa, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates para projetos de fixação biológica do nitrogênio na África, além de diversos projetos com praticamente todos os países da América do Sul e Caribe, além de países da Europa, Austrália, EUA e Canadá. Em 2020, um estudo da Universidade de Stanford (EUA) a classificou entre os 100 mil cientistas mais influentes no mundo. 

O trabalho de Mariângela é direcionado para pesquisas voltadas ao desenvolvimento de inoculantes à base de bactérias que visam substituir os fertilizantes nitrogenados. E desta forma, possibilitar uma agricultura mais sustentável. A cientista é uma das responsáveis pelo desenvolvimento das tecnologias de inoculação e co-inoculação da soja, técnicas essas que vêm promovendo grandes saltos de produtividade no campo. Além disso, a fixação biológica do nitrogênio (FBN) trouxe somente em 2021 uma economia de 38 bilhões de reais em importações de adubos nitrogenados para o Brasil.

Mas a atuação da pesquisadora não está concentrada somente na soja. Mariangela também coordenou pesquisas que culminaram com o lançamento de outras tecnologias importantes para a agricultura nacional. Uma delas foi a  autorização e recomendação de bactérias (rizóbios) para a cultura do feijoeiro. Houve também contribuições importantes para as culturas do milho e do trigo e de pastagens com braquiárias.