Um dos participantes da primeira edição dos DIÁLOGOS ENTRE SOLOS – SEMEANDO CONEXÕES, foi o atual presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Akatu, Helio Mattar. Engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP e mestre e Ph.D. em engenharia industrial pela Universidade de Stanford, possui 22 anos dedicados a entender os hábitos de consumo dos brasileiros e a torná-los cada vez mais conscientes. Nesta conversa com o Entre Solos, Helio reforça muitas de suas visões sobre o papel do agronegócio na conscientização da sociedade quando se fala em sustentabilidade, meio ambiente e sobre o futuro do consumo no Brasil. Confira!
Na sua apresentação sobre saúde e sustentabilidade na ótica do consumidor, você disse que o consumidor se preocupa com o meio ambiente e o seu impacto na natureza. A pergunta é: você acredita que a maioria destes consumidores entende como pode diminuir esse impacto?
O consumidor brasileiro é pesquisado por nós já há muitos anos e vem sempre revelando que tem uma preocupação com o meio ambiente. Portanto, o meio ambiente, a natureza são valores para o consumidor brasileiro. Agora, o fato dele se preocupar não necessariamente diz que ele está agindo na direção de melhorar o meio ambiente. Em outra parte da pesquisa, 77% dos consumidores brasileiros dizem que estão fazendo tudo o que podem para combater impactos negativos no meio ambiente e na natureza. Quando a gente vê esse dado, fica claro que o consumidor não sabe o que que ele pode fazer na sua abrangência. Não quer dizer que ele não saiba. Ele sabe algumas coisas, mas não na sua abrangência, porque se 77% dizem que estão fazendo tudo o que eles podem, e como nós sabemos que tem muita coisa que o consumidor pode fazer e que não está sendo feita, a conclusão é imediata. Ele gostaria de estar fazendo, ele acha que está fazendo, mas falta educação e comunicação junto ao consumidor para que haja uma compreensão correta da ligação entre o consumo e o meio ambiente, entre o consumo e a natureza.
A última pesquisa e os estudos em geral do Instituto Akatu visam dar um norte para a cadeia produtiva, para as empresas e marcas?
Com certeza, um dos objetivos que nós temos com os estudos que são feitos em pesquisa de campo que são feitos junto ao consumidor é identificar o que ele valoriza positivamente e o que ele desvaloriza. Para que as empresas possam olhar para esses atributos, que são atributos de sustentabilidade, e dizer “ah, bom, o consumidor valoriza tal coisa. Eu preciso estar bem nesta fotografia, na fotografia em relação àquele atributo. Se ele desvaloriza tal coisa, eu preciso cuidar para que o meu negativo nesse atributo não seja ruim. Então isso orienta as empresas. Tanto é verdade que o Akatu oferece como trabalho, como atividade junto às empresas, uma análise do plano de sustentabilidade do ponto de vista do consumidor consciente. Isto é, nós analisamos o que as pesquisas nos dizem ou nos disseram ao longo desses anos sobre o consumidor consciente, dizemos à empresa: “Olha aqui, você precisa aprofundar aqui, você pode retirar e aqui está faltando tal coisa”. Então é esse um dos principais objetivos do nosso ponto de vista.
“É preciso ter a informação de uma maneira que seja compreensível corretamente pelo consumidor. Certificação faz isso. Agora, insisto, mais uma vez, é fundamental que a certificação seja dada para itens que são relevantes para aquele produto e que seja apresentado ao consumidor de uma forma simples e compreensível no momento da compra.”
Helio Mattar
Existe um segundo objetivo importante também que é conhecer o consumidor, ele próprio, na medida em que o Akatu tem por missão sensibilizar e mobilizar o consumidor para uma mudança do seu comportamento de consumo. Se nós não soubermos qual é o comportamento de consumo, nós não vamos saber se mudou ou se não mudou. Então esse é um segundo objetivo, ainda que esse segundo objetivo seja de médio, longo prazo. Porque o consumidor não muda de comportamento de um dia para o outro. É um processo e esse processo toma tempo e precisa maturar em termos de percepção do consumidor, sensibilidade do consumidor e instrumentos que possam ser usados pelo consumidor para tomada de decisão.
Um dado que chamou a atenção na sua apresentação foi que a maioria dos consumidores ouvidos considera que não há desperdício dentro da sua casa. Como se pode melhorar essa percepção do consumidor, Helio?
De fato, o consumidor brasileiro, 90% dos consumidores brasileiros dizem que têm interesse em reduzir o desperdício de alimentos e mais de 80%, se não me engano, 82, 83%, dizem que é fácil reduzir o desperdício de alimentos. Bom, se tem interesse e é fácil, deviam estar fazendo em larga escala. Na verdade, a gente sabe que isso não ocorre. O desperdício na casa do consumidor, daquilo que ele compra, utiliza e depois parte é jogado fora, é da ordem de 28 a 30%.
Por que ele ocorre? O principal motivo é a cultura de cocção, de utilização e cocção dos alimentos. A cultura na mesa e a cultura de descarte daquilo que sobra. O consumidor brasileiro gosta de mesa farta, quer fartura na mesa e, portanto, quase que irremediavelmente vai sobrar comida daquilo que foi colocado na mesa, aí tem um problema: o consumidor brasileiro tende a não gostar de utilizar a sobra. Além de não saber utilizar a sobra. Então, sobrou um pouquinho de arroz, faz um novo arroz e mistura esse pouquinho que sobrou. A tendência é ficar só com o arroz novo que acabou de cozinhar. Terceiro fator: vários ingredientes, várias matérias-primas para a cozinha não são usadas integralmente. Então, por exemplo, as cascas de frutas têm muitas vitaminas.
No caso das cascas de frutas, por exemplo, tem vitaminas que são importantes para a saúde. Quer dizer, elas são nutritivas. No entanto, elas são jogadas fora. Daria para aproveitar? Dá para aproveitar, dá para fazer geleias, dá pra usar em tortas doces, às vezes até mesmo em tortas salgadas para dar um gosto um pouco mais pronunciado. Isso é desconhecido pelo consumidor. Na verdade, não só desconhecido, mesmo quando é conhecido, não é valorizado. É quase como se o consumidor considerasse que essa é uma prática menor na cozinha. Então, saber usar integralmente o alimento, saber cozinhar a quantidade que é necessária para o número de pessoas e utilizar sobras são três ações que não são usadas tradicionalmente, não são muito usadas no Brasil. A gente pode considerar outras também.
O consumidor brasileiro, aliás isso é comum também em muitos países, tende a não fazer um planejamento de cardápio para a semana toda. Aí verifica o que já tem de ingredientes em casa e compra só o que está faltando para fazer aquele cardápio. Bom, em primeiro lugar não tem nem a lista do que é que vai ser preparado no cardápio e mesmo se tem a lista, se vai com fome para o supermercado, acaba comprando coisas que não precisa. Então já compra mais alguma coisa, acaba sobrando ou até mesmo faltando. Essa é uma outra providência, uma outra ação que o consumidor poderia fazer para reduzir o desperdício. A cultura brasileira não segue nessa direção. A gente deve considerar que, do total que foi comprado, provavelmente 95% seria aproveitado. A gente não sabe qual é esse número, mas é um número muito alto, e o que é de fato aproveitável a gente sabe que está entre 70 e 72%.
Esse processo de entender e mudar os costumes tem previsão de acontecer em larga escala?
O processo de mudança de comportamento é um processo lento. Porque quando eu falo na cultura alimentar brasileira, são coisas que a gente carrega com a gente durante a vida toda. E na família, na escola, também as próprias merendas que são feitas nas escolas também sofrem dos mesmos problemas, então a mudança é uma mudança em geral lenta. Ela exige a percepção da gravidade daquilo que está acontecendo para que o consumidor queira reduzir o desperdício. Nesse caso, é saber o que fazer. Nós dizemos que tem três questões: Ele precisa compreender o que está acontecendo. precisa estar motivado para mudar esse acontecimento e ter repertório para poder agir sobre o desperdício. Então são essas 3 coisas que são necessárias em qualquer caso para uma mudança no comportamento de consumo.
Na sua apresentação, você fez um apelo ao agronegócio, à agroindústria, para que ajudem os consumidores a entender melhor o que estão comprando. Eu gostaria de pedir para que você desse exemplos de como isso poderá se efetivar?
Eu vou pegar um exemplo com carne, que é um exemplo importante na medida em que o desmatamento é um problema muito recorrente no Brasil Já se conseguiu reduzir muito, infelizmente, no último governo, voltou a subir muito, mas ele é recorrente. O que um consumidor de carne pode fazer para melhorar as condições de desmatamento ou para que não haja desmatamento. Na verdade, para que não haja desmatamento, ele pode perguntar a origem daquela carne. Para quem ele vai perguntar no supermercado se ele vai comprar no supermercado? Vão dizer a ele: eu não sei qual é a origem. Ele pode dizer, então, por favor, a próxima vez que eu vier, o senhor pode perguntar para a empresa e me informar, aí os consumidores vão pedir, numa hora ou outra. O sujeito vai informar o que a empresa diz, qual é o problema com a informação que a empresa dá? A cadeia de produção do gado é muito longa. Quer dizer, não é que é uma fazenda que cria, recria, engorda e manda pro frigorífico, muitas vezes cria num lugar, e recria em outro e engorda em outro. Então, é muito difícil ter certeza de que nas várias etapas do processo produtivo da carne foi respeitado esse atributo de não desmatar.
Em geral, a pecuária no Brasil é extensiva, precisa de área. Por isso, justamente uma das soluções é fazer uma pecuária mais intensiva, que precisa de muito menos área. Mas isso está ocorrendo muito devagar. Então esse é um exemplo do que a indústria da pecuária da carne pode fazer: informar o consumidor. Se não me engano, a Marfrig, é um dos frigoríficos que tem uma carne que é carbono zero. Por que essa carne é carbono zero? Porque eles garantem que aquela carne não provoca desmatamento. Por que eles não fazem isso com todas as carnes que eles têm? Porque essa carne é produto de uma área específica, onde existe floresta, existe agricultura, existe paz. E aí, a alimentação do boi ocorre lá, mas ao mesmo tempo a floresta está capturando carbono e a agricultura está capturando carbono. Então, há um processo de equilíbrio entre o que é emitido e aquilo que é absorvido. Esse processo foi pensado na origem do processo produtivo para não emitir carbono. Agora, é óbvio que a grande, quase totalidade dos processos, não foram pensados dessa forma. Então, vai ser necessário mudar a tecnologia, mudar a maneira de se produzir a carne para que haja um impacto, por exemplo, como não haver desmatamento de florestas.
“Akatu é uma palavra muito bonita em Tupi. E que quer dizer ao mesmo tempo, semente boa. E mundo melhor, a mesma palavra. À significa semente significa mundo, katu significa bom significa melhor, portanto, akatu é uma semente boa para um mundo melhor, porque a gente quer que as pessoas sejam sementes boas, que se plantem a si próprias para produzir esse mundo melhor. Não tem ninguém que vai fazer por elas. Elas vão fazer o mundo melhor. Nós vamos fazer o mundo melhor.”
Helio Mattar
Na sua opinião e com base em sua experiência, houve algum avanço em relação ao consumo consciente no Brasil?
Eu trabalho com isso há 22 anos. Não tenho nenhuma dúvida que houve uma forte evolução durante esse período. Agora é preciso qualificar um pouco essa evolução e colocar onde essa evolução se dá. O consumo não é uma decisão individual. A gente acha que a gente toma a decisão e que a cada decisão vai ser a melhor que a gente consegue fazer. Talvez a melhor forma de dizer é que ela é a melhor que a gente consegue fazer. A melhor decisão, dadas as condições oferecidas pelas empresas, pelo governo e pela sociedade civil, pelas organizações sociais. Se o governo taxa mais ou menos, muda o preço. Se muda o preço, o produto é outro. Se as empresas fazem o seu trabalho de redução de impactos negativos, o produto é um, se ela não faz, o produto é outro. Então o consumidor está limitado àquilo que é produzido dentro do que governo, empresas e sociedade civil, organizações sociais oferecem a ele.
Nesta medida, a gente pode dizer o seguinte, 22 anos atrás, a palavra consumo consciente, o termo consumo consciente não existia. E hoje ele é falado corriqueiramente, os jornais todos os dias citam a consciência na produção. O consumo é consciente. Até o voto é consciente, tem muita consciência, passou a dominar em várias áreas. Quando nós começamos, não havia essa preocupação com a consciência ou era considerado como algo daqueles que são bem sonhadores. Há 22 anos, o consumidor não estava ligado em economizar água, energia ou fazer coleta seletiva de lixo. Hoje, tanto na água quanto na energia quanto nos resíduos, o percentual de consumidores que fazem isso é muito maior do que era há 22 anos. Isso quer dizer que os problemas estão resolvidos? Não quer porque temos problemas em todas as áreas, em todos os tipos de consumo e problema em alimentos, problema em roupas e testes é problema em eletroeletrônicos a problema no processo educativo é problema no processo de saúde e assim por diante.
Em cada um desses processos produtivos existe um conjunto de impactos que precisa ser minimizado se for negativo e maximizado se for positivo. Então, nessa medida, há muito ainda por fazer, o caminho pela frente é bem maior do que o caminho que nós percorremos. Mas eu acredito que o fato de ter percorrido esses primeiros 22 anos faz com que se acelere o processo de compreensão do consumidor. A internet te ajuda a acelerar também esse processo. Imagine, por exemplo, um selo de certificação do tipo que eu descrevi que tenha principais fatores de forma simples que o consumidor compreenda no ponto de venda. A internet vai divulgar isso assim. Anteriormente, cada empresa precisava divulgar isso, chegar na gôndola, o consumidor não ia olhar, quer dizer, é tudo um processo. É muito mais rápido hoje, infinitamente mais rápido do que era no passado. Eu sou otimista.