Quando pensamos em um sistema alimentar sustentável, podemos encontrar no contexto da agroecologia um caminho promissor no futuro da produção de alimentos. Além de considerar o manejo responsável dos recursos naturais, esse modelo de agricultura constitui uma área de conhecimento que integra os saberes históricos dos agricultores com o avanço da ciência.
Os sistemas alimentares e agrícolas que conhecemos hoje conseguiram e ainda conseguem fornecer grandes volumes de alimentos aos mercados globais. No entanto, não podemos apostar em sistemas de uso intensivo de recursos que causam desmatamento, escassez de água, perda de biodiversidade, degradação do solo, altos níveis de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e ainda afetam a qualidade de vida de comunidades tradicionais.
Apesar do progresso significativo nos últimos tempos, os desafios globais relacionados à segurança alimentar permanecem críticos e temos muitas questões a serem discutidas para alcançar o desenvolvimento sustentável.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), “a agroecologia pode ser a chave para a construção de sistemas agroalimentares que combatam a fome e promovam práticas agrícolas sustentáveis, contribuindo para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, favorecendo a restauração, diversificação e conservação dos serviços ecossistêmicos e evitando a degradação do solo”.
Agroecologia – o que é?
Agroecologia é um termo genérico que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. A abordagem agroecológica incentiva os pesquisadores a penetrar no conhecimento e nas técnicas dos agricultores e a desenvolver agroecossistemas com uma dependência mínima de insumos agroquímicos e energéticos externos.
A agroecologia abrange práticas agrícolas conservacionistas para assegurar as condições de vida do solo que permitam a manutenção da sua fertilidade, uso de espécies de plantas ou variedades adaptadas às condições locais de solo e clima, minimizando exigências externas para um bom desenvolvimento da cultura, manejo de pragas que integre as práticas culturais, mecânicas e biológicas para o controle e diversificação das atividades econômicas da propriedade.
Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a agroecologia tem passado por muitas reflexões ao longo do tempo quanto a sua definição, mas atualmente tem sido aceita como um espaço que congrega Ciência, Movimento e Prática. Os sistemas de produção que sustentam os processos produtivos no contexto da agroecologia (orgânico, biodinâmico, natural, ecológico, entre outros) são descritos, no Brasil, pela Lei 10.831 de 2003.
A instituição ainda ressalta que demandas mundiais por sistemas de produção que aumentem a sustentabilidade ambiental tendem a valorizar os sistemas orgânicos de produção, como forma de produção de alimentos mais saudáveis, como garantia da manutenção da sociobiodiversidade e da preservação ambiental.
O Centro de Conhecimentos em Agroecologia da FAO, explica a agroecologia como uma ciência que representa, simultaneamente, um conjunto de práticas e um movimento social que inclui as dimensões ecológica, sociocultural, tecnológica, econômica e política dos sistemas alimentares. Ela procura otimizar as interações entre plantas, animais, humanos e o meio ambiente, ao mesmo tempo em que aborda a necessidade de sistemas alimentares socialmente igualitários nos quais as pessoas possam escolher o que comem, como e onde é produzido.
Nesse contexto a FAO identificou 10 elementos da agroecologia que destacam princípios importantes na implementação de um sistema agroecológico, sendo eles: diversidade, cocriação e compartilhamento de conhecimento, sinergias, eficiência, reciclagem, resiliência, valores humanos e sociais, cultura e tradições alimentares, governança responsável, economia circular e solidária.
A agroecologia e sua importância para o desenvolvimento sustentável
A agroecologia desenvolve um papel fundamental na agricultura moderna, por conta dos diversos benefícios que ela proporciona. Isso inclui a adoção de práticas sustentáveis que buscam modificar as formas convencionais de produzir alimentos.
Adotar o sistema de produção da agroecologia parte do princípio de pensar no coletivo e não apenas no individual, priorizando a agricultura familiar, a qualidade de vida dos trabalhadores, a preservação de comunidades tradicionais, além da conservação do meio ambiente e da qualidade dos produtos. A FAO acredita que a agroecologia é uma resposta fundamental para orientar a transformação sustentável de nossos sistemas alimentares. Logo, a organização integra abordagens agroecológicas em 15 dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Agenda 2030.
Sistemas Agroflorestais (SAFs) também estão no contexto da agroecologia
Com o manejo agroflorestal é possível cultivar madeira, frutas, plantas anuais e plantas perenes na mesma área. É uma estratégia de uso do solo com múltiplos benefícios, pois ao mesmo tempo que produzem alimentos e produtos florestais gerando renda no campo, restauram florestas e paisagens, gerando benefícios ambientais.
Com apoio do WRI Brasil e da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, uma paisagem brasileira que está vivenciando o processo de implementação e disseminação dos SAFs é o Vale do Paraíba Paulista. As organizações estabelecem estratégias para acelerar e dar escala aos esforços para implementação de sistemas agroflorestais e a comercialização dos produtos gerados. O objetivo é expandir os SAFs na região com a ambição de restaurar até 80 mil hectares hoje degradados.
Outro projeto também apoiado pelo WRI Brasil foi a conservação e restauração das florestas em Juruti, na Amazônia paraense, às margens do rio Amazonas. Uma comunidade de agricultores familiares se envolveu em ações para capacitação e implementação de SAFs produzindo alimentos tradicionais da região, como açaí, mandioca e cupuaçu.
A agroecologia e sua contribuição com sistemas alimentares
O WRI publicou em 2018 um sumário executivo contextualizando o conhecimento agroecológico da Caatinga e os caminhos para a adaptação às mudanças climáticas e restauração do bioma. Dentre os principais resultados, destacam-se a diversificação de cultivos e a valorização do conhecimento tradicional como garantia da segurança alimentar das famílias agricultoras e diminuição da vulnerabilidade local.
Em 2021 a TNC também lançou o sumário executivo: Foodscapes: Rumo à transição do sistema alimentar, onde apresentou um mapeamento da diversidade da produção de alimentos em todo o mundo, para caracterizar a transformação dos sistemas alimentares. O relatório define foodscapes como uma combinação de sistema e local de produção que representa espacialmente o sistema alimentar mundial. Por exemplo, a Argentina envia carne bovina para a China, que envia tilápia para os Estados Unidos, que manda trigo para a Indonésia, que manda óleo de coco de volta para os Estados Unidos e a China, ou seja, a produção de alimentos que pode parecer de maneira local é influenciada por sistemas biofísicos, econômicos, políticos e comunitários que atravessam fronteiras locais, regionais ou internacionais. Um foodscape é a interseção e a interação de todos esses sistemas em um espaço definido geograficamente. A organização considera a agroecologia e práticas de agricultura regenerativa como práticas agrícolas que restauram os foodscapes de formas que promovem a biodiversidade e aumentam sua capacidade de produzir alimentos saudáveis.