A 28ª Conferência das Partes (COP28) da UNFCCC, realizada em Dubai no final de 2023, se destacou pela inclusão do setor de alimentos nas discussões e compromissos climáticos. Diferente das edições anteriores, onde o setor de alimentos, quase não participava dos debates climáticos da ONU.

Parte dessa mudança pode ser atribuída ao maior entendimento das relações entre os sistemas alimentares e o clima. Afinal, o setor de produção de alimentos e uso da terra são responsáveis por um terço das emissões globais de gases do efeito estufa. Ao mesmo tempo, os sistemas alimentares são altamente afetados pelas secas, inundações, calor extremo e outros impactos das mudanças climáticas.

Sem deixar de mencionar que a maneira como produzimos e consumimos os alimentos também exerce uma influência importante nas possibilidades de se zerar o desmatamento e reduzir as emissões de metano até 2030. Metas críticas para se cumprir os compromissos climáticos globais.

Neste contexto, na COP28 presenciamos uma série de avanços no elo entre sistemas alimentares, agricultura e clima. De fato, essa foi a COP na qual os alimentos ocuparam um lugar central nos esforços climáticos, com resultados que poderão gerar mudanças transformadoras no setor.

Listamos aqui os principais marcos da Conferência que se relacionam ao setor de alimentos e agrícola. Confira!

Início do fim da era dos combustíveis fósseis

Pela primeira vez, em 30 anos de negociações climáticas da ONU, houve concordância em se abandonar gradualmente os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, visando a neutralidade de emissões até 2050. Apesar da pressão dos interesses do petróleo e gás, os negociadores de alguns países-chave mantiveram sua posição e chegaram em um acordo que marca o início do fim da era dos combustíveis fósseis. 

Ainda que a decisão não esteja diretamente relacionada ao setor agrícola, o debate sobre energia, relaciona-se amplamente com a agricultura. Uma vez que ela fornece fontes renováveis e de menor emissão de gases.

Alimentos passaram a fazer parte do Balanço Global do Acordo de Paris

Na COP28 havia grande expectativa em torno do primeiro Balanço Global, uma demanda do Acordo de Paris para avaliar o progresso a cada cinco anos e mobilizar ações climáticas mais eficazes. O resultado do Balanço Global da COP28, denominado de Consenso dos Emirados Árabes Unidos, abrangeu sinalizações para diversos setores e direcionamentos para a próxima rodada de compromissos climáticos nacionais (NDCs) de 2025.

No âmbito das discussões relacionadas ao Balanço Global, o setor de alimentos foi apontado como crucial para o combate às mudanças climáticas. Além disso, a análise do Balanço Global reconheceu a prioridade de se garantir a segurança alimentar e acabar com a fome. Assim como as vulnerabilidades dos sistemas de produção de alimentos diante dos impactos das mudanças climáticas.

Declaração sobre agricultura sustentável, sistemas alimentares resilientes e ação climática

Mudando o curso padrão dos debates das COPs, diversos países colocaram os alimentos na pauta. Como consequência, cento e cinquenta e nove países assinaram a Declaração dos Emirados sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, comprometendo-se a integrar alimentos e sistemas alimentares em suas NDCs até 2025. Os signatários incluem grandes emissores e atores globais do sistema alimentar, como Argentina, Brasil, China, União Europeia, Rússia, Turquia, Ucrânia e Estados Unidos.

Mediante a assinatura da Declaração, os países se comprometem a aumentar a adaptação e a resiliência para produtores agrícolas. Além de garantir segurança alimentar e nutricional por meio de sistemas de proteção social e programas de alimentação. E, a apoiar os agricultores na manutenção de um trabalho digno e inclusivo. Ao mesmo tempo que deverão promover a preservação da biodiversidade e recursos naturais. 

A Declaração enfatiza a necessidade de se maximizar os benefícios climáticos e ambientais associados à agricultura e aos sistemas alimentares e evitar seus impactos, aumentando a produtividade de forma sustentável, protegendo e restaurando a terra e os ecossistemas naturais, melhorando a saúde do solo e a biodiversidade e substituindo práticas intensivas em emissões por produção e consumo mais sustentáveis. 

Aliança dos líderes para a transformação dos sistemas alimentares

Um grupo de países, incluindo Brasil, Camboja, Noruega, Ruanda e Serra Leoa, lançou a Aliança dos Líderes para a Transformação dos Sistemas Alimentares. Isto é, uma coalizão comprometida em transformar urgentemente os sistemas nacionais e global de alimentação e uso da terra. Esses países pretendem alcançar melhores resultados na alimentação em termos de adaptação e resiliência, mitigação da crise climática, segurança alimentar e nutricional, equidade e meios de subsistência, além de preservação da natureza e biodiversidade.  

FAO lançou roteiro global para sistemas alimentares sustentáveis

Na COP28, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) lançou um roteiro para transformar os sistemas alimentares com o objetivo de manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C e acabar com a fome, em linha com o ODS 2. O roteiro da FAO apresenta uma gama ampla de ações Tais como, incluir a necessidade de aumentar a produção agrícola e pecuária de forma sustentável. Assim como, reduzir as emissões agrícolas de gases do efeito de estufa. Além de, criar resiliência, reduzir a perda e o desperdício de alimentos. E também, mudar as dietas em alguns países, substituindo a carne por alimentos à base de plantas. Tudo isso em um contexto de mudanças no clima e de uma crise contínua de perda de biodiversidade.

Brasil lançou Programa de Conversão de Pastagens  e Sistema de Taxonomia

Em linha com os esforços globais destacados na COP28, o Governo brasileiro lançou duas iniciativas que se relacionam às práticas agrícolas sustentáveis: o Plano de Ação da Taxonomia Sustentável Brasileira e o Programa de Conversão de Pastagens Degradadas. 

Enquanto a Taxonomia busca classificar investimentos sustentáveis, o Programa de Conversão pretende revitalizar áreas prejudicadas. Segundo técnicos do Ministério da Fazenda, a taxonomia sustentável deverá estabelecer um sistema de classificação para as diferentes atividades econômicas, ativos financeiros e projetos de investimento, apontando se são sustentáveis ou não, com padronização e vigência nacional. A proposta é que as regras sirvam como um guia para promover o desenvolvimento econômico sustentável nacional, considerando critérios ambientais e sociais. 

O Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD) pretende recuperar e converter até 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade em áreas agricultáveis em dez anos. Desta forma poderá multiplicar a área de produção de alimentos no Brasil sem desmatamento, evitando a expansão sobre áreas de vegetação nativa.  Com isso, o PNCPD pretende aumentar a produtividade do setor agropecuário. Assim como, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e melhorar a qualidade de vida dos produtores rurais. 

Como se pode esperar, o Sistema de Taxonomia Brasileiro e o PNCPD têm potencial de se complementar. De modo a fornecer uma estrutura integrada para promover práticas agrícolas sustentáveis e restauração de ecossistemas degradados. E assim, impulsionar a transição para um modelo agrícola mais sustentável e resiliente.

Pacto Global do Brasil promove sistema alimentar inclusivo e de baixo carbono

O Pacto Global da ONU no Brasil esteve na COP28 contribuindo com o debate e avanço do Trabalho Conjunto de Sharm El-Sheik sobre a implementação da ação climática na agricultura e segurança alimentar. Para isso, levou documento organizado a partir de visões capturadas pela Plataforma de Ação pelo Agro Sustentável ao integrar organizações do setor privado, governo e sociedade civil no Diálogo Entre Solos Pré-COP28, ocorrido no dia 1º de dezembro no Instituto Biológico em São Paulo.

Financiamento para soluções voltadas aos sistemas alimentares

Para além dos compromissos assumidos, a transição do setor de alimentos e agrícola demanda recursos financeiros – debate bastante aguardado na COP-28. O resultado foi considerado positivo quando governos, fundações e outras partes se comprometeram a oferecer apoio financeiro para sistemas alimentares sustentáveis. Na Conferência se definiu que parte dos recursos serão destinados ao Consultative Group on International Agricultural Research (CGIAR), um consórcio global de pesquisa agrícola, além de apoio a projetos para reduzir as emissões da pecuária e o desperdício de alimentos. 

Ao fim, os compromissos financeiros indicam que os governos e o setor filantrópico irão apoiar as agendas de clima e alimentos. 

O que muda?

A COP28 registrou avanços há muito esperados para o setor de alimentos e para o clima. A partir dela, o mundo como um todo tem a responsabilidade de transformar as promessas em realidade. Além de garantir que esse seja de fato um ponto de virada na nossa trajetória.

Os países devem incorporar alimentos e sistemas alimentares em sua próxima rodada de NDCs e apresentar avanços reais nas COP29 e COP30. Contudo, o sucesso desses compromissos dependerá de os países levarem adiante mudanças substanciais em políticas e ações. O mesmo vale para empresas, setor agropecuário e outros atores da sociedade civil que fizeram compromissos semelhantes.

É preciso lembrar do que estamos falando de sistemas alimentares ou, mais precisamente, agroalimentares. Tais sistemas são redes complexas de atividades que envolvem desde a produção primária de produtos agrícolas e pecuários até o processamento, o transporte e o consumo. Portanto, para avançarmos da declaração à ação precisaremos enfrentar a complexidade dessa cadeia produtiva.