As mulheres que trabalham no campo no Brasil acabam de ganhar uma nova ferramenta para ajudá-las no fortalecimento de projetos e na implantação de políticas públicas. Em meados de dezembro, foi criado o Observatório Mulheres Rurais do Brasil em cerimônia realizada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

A plataforma foi apresentada pela pesquisadora Cristina Arzabe, da Superintendência de Estratégia (Suest) e tem como objetivo reunir e fornecer dados sobre o número de mulheres no campo, sejam elas dirigentes de estabelecimentos rurais ou trabalhadoras. Especificando estado, região, atividade econômica etc.

“A criação do Observatório Mulheres Rurais do Brasil responde à Agenda 2030, que tem como meta não deixar ninguém para trás, em especial ao ODS 5 – Equidade de Gênero (Agenda 2030 – ODS 5 de equidade de gênero). É uma ferramenta que oferece visibilidade ao trabalho das mulheres rurais e integra o sistema Agropensa da Embrapa. É o resultado de um trabalho multi-institucional envolvendo Mapa, Embrapa, FAO e o importante apoio do IBGE”, destaca Cristina. 

A pesquisadora explica melhor em entrevista exclusiva para o Entre Solos – Semeando Conexões, como vai funcionar o Observatório Mulheres Rurais do Brasil. Confira.

Embrapa

Qual o principal objetivo do Observatório das Mulheres Rurais do Brasil?

O Observatório das Mulheres Rurais do Brasil é uma ferramenta (hospedada no Portal da Embrapa) que oferece (a partir de gráficos interativos e estudos) informações estratégicas com foco nas mulheres rurais. A ideia é congregar dados dispersos em diferentes órgãos públicos e disponibilizá-los de maneira simples, visual, para facilitar a elaboração de propostas mais inclusivas pelos pesquisadores ou gestores públicos, sejam elas projetos de pesquisa e inovação, ações de desenvolvimento, programas governamentais ou políticas públicas.

Um dos pontos dessa atuação visa considerar recortes regionais e/ou temáticos. Poderia por favor explicar melhor esse objetivo?

Recortes regionais se referem a dados que podem ser visualizados por unidades da federação (estados) ou regiões específicas, se o/a usuário/a escolher um grupo de estados. Em outras palavras, o usuário ou usuária pode escolher para qual estado ou grupo de estados quer a informação. Recortes temáticos se referem à possibilidade do usuário ou usuária poder escolher um tema, tipo agricultura familiar, ou um produto, por exemplo, no gráfico sobre agroindústrias, fazer uma análise para fubá de milho ou farinha de mandioca.

“Promover o empoderamento das mulheres”, meta do ODS 5. De que forma ou formas o Observatório fará isso?

A criação e implementação do Observatório das Mulheres Rurais do Brasil responde à Agenda 2030 (cuja meta é ‘não deixar ninguém para trás’), especialmente o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 – Igualdade de Gênero, dando visibilidade à presença e ao trabalho das mulheres rurais. O Observatório possui uma aba ‘Políticas Públicas’ onde é possível visualizar um infográfico com todos os programas, portarias e resoluções criados para beneficiar as mulheres rurais a partir da Constituição de 88, que é um marco, pois é onde a mulher rural recebe o direito de se aposentar e é reconhecida como beneficiária da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária. Então, basta ir passando o cursor e é possível verificar, temporalmente, como evoluíram estes esforços para este público em especial. Esta e outras informações são estratégicas para a formatação de projetos e políticas públicas que tenham como objetivo melhorar a qualidade de vida das mulheres no campo e proporcionar sua autonomia econômica mediante agregação de valor aos seus produtos e inclusão produtiva. Finalmente, promover e facilitar o acesso a informações é uma forma de contribuir para o empoderamento das mulheres como dirigentes, como trabalhadoras rurais e também como cidadãs. A tomada de consciência sobre direitos e benefícios a elas destinados apoia o processo de autonomia e independência.

Quais seriam os projetos e políticas públicas mais urgentes para as mulheres do campo?

Aqueles que tenham como objetivo a inclusão produtiva e a autonomia econômica das mulheres rurais. Isso envolve capacitações específicas para este público, acesso facilitado a assistência técnica (preferencialmente ofertada às mulheres por outras mulheres), a recursos financeiros, ferramentas, maquinários e tecnologias, assim como o desenvolvimento de inovações considerando a realidade delas. Tudo isto precisa ser realizado em sinergia com outras políticas públicas que permitam mais tempo para as mulheres se dedicarem ao trabalho remunerado, como creches, escolas e assistência aos idosos em tempo integral. Se não pensarmos em como retirar a carga dos cuidados dos ombros das mulheres, às quais é relegado este trabalho sem remuneração (enquanto poderiam estar sendo produtivas e obter sua autonomia econômica), estaremos perpetuando este ciclo de pobreza entre as mulheres na nossa sociedade. 

Como toda a infra-estrutura e rede da Embrapa, pelo Agropensa, irá alavancar o trabalho do Observatório?

O Observatório das Mulheres Rurais do Brasil faz parte do Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa, denominado Agropensa, e conta com o apoio da Rede Embrapa Mulheres Rurais composta por pesquisadores e analistas das mais de 40 unidades da Embrapa distribuídas nas diferentes regiões do Brasil. Esta rede é de fundamental importância pois permite uma visão sistêmica, tanto no que concerne à diversidade ambiental, cultural e social do país, como também no quesito das cadeias produtivas ou produtos gerados no extrativismo, por exemplo. Não há como fazer um trabalho tão amplo sem a participação de um grupo maior de pessoas que localmente estão atuando em campos distintos. Acho que a Embrapa tem esse capital humano incrível no que diz respeito à diversidade de campos de estudo e uma capilaridade no país que é, sem dúvida alguma, sua maior fortaleza.

Vocês possuem números sobre a quantidade de mulheres atuantes na agropecuária brasileira?

Na aba ‘Dados’ é onde se encontram os gráficos interativos, inicialmente com dados dos Censos Agropecuários realizados pelo IBGE em 1995, 2006 e 2017, e também um gráfico com dados do Ministério do Trabalho e Previdência. O primeiro gráfico é relativo aos dirigentes dos estabelecimentos rurais, com dados de 2006, quando havia 656.255 mulheres dirigentes e de 2017, quando foram contabilizadas 946.075 mulheres dirigentes. Nos censos anteriores não se fazia a desagregação por sexo para esta categoria. Neste gráfico você pode visitar a aba ‘Agricultura Familiar’ e verificar que entre as dirigentes mulheres, a maioria é da Agricultura Familiar. Em 2006 eram 600.482 e em 2017 eram 769.672. Pode verificar também que a quantidade de mulheres dirigentes na agricultura não familiar ainda é muito baixa, mas triplicou no decênio (de 55.773 em 2006 para 176.403 em 2017).

Na aba ‘Orientação Técnica’ você verá que não houve avanços no acesso à Orientação Técnica entre as mulheres no decênio, com um número baixo delas (apenas 12,7 e 12,3%) recebendo orientação técnica em 2006 e 2017, respectivamente. O segundo gráfico é relativo ao pessoal ocupado, isto é, à mão-de-obra no campo. Para esta categoria, a desagregação por sexo foi realizada desde o Censo de 1995. Há uma queda acentuada no número de mulheres trabalhando no campo, de 5,9 milhões em 1995 para 5 milhões em 2006 e 4,3 milhões em 2017. O terceiro gráfico é relativo aos vínculos empregatícios (já que deriva de dados do Ministério do Trabalho e Previdência). É possível verificar os Estados que remuneram melhor, por exemplo. Finalmente o quarto gráfico é sobre os estabelecimentos rurais com agroindústria, sendo possível verificar as informações por Estado ou por produto, como café moído, fubá de milho ou queijos, por exemplo. 

As outras abas são referentes às publicações, editais e notícias.

Como a FAO e o MAPA irão atuar nessa parceria?

Este é um trabalho eminentemente multi-institucional. A FAO e o MAPA cederam pessoal capacitado para apoiar as ações, desde a concepção do Observatório, e recursos financeiros foram liberados pelo MAPA. Finalmente é importante ressaltar o importante apoio do IBGE desde 2018, quando foi assinado um Termo de Compromisso com ênfase nessa temática de gênero e diversas tabulações especiais que foram disponibilizadas para montar os gráficos interativos. 

Quais são as primeiras ações do Observatório planejadas para esse início de 2023?

Estamos preparando um gráfico com dados do Mapa sobre a participação feminina na agricultura orgânica e pequenos livretos sobre mulheres na cafeicultura, na pecuária, na cadeia da macaúba, no extrativismo de óleos vegetais e no algodão orgânico. Esperamos ter outras publicações mais à frente. Também estamos tentando melhorar o gráfico sobre agroindústrias, pois consideramos que a agregação de valor dos produtos é uma importante estratégia para o desenvolvimento socioeconômico dos agricultores de modo geral, e pode ser ainda mais importante para as mulheres rurais. Também estamos fazendo um trabalho conjunto com mulheres de diferentes Comunidades que Sustentam a Agricultura – CSAs do Brasil. As CSAs são baseadas na economia solidária e proporcionam alimentação saudável, sustentável e de grande impacto socioeconômico, garantindo a renda de muitas agricultoras familiares. Outros estudos, como o papel das mulheres no setor florestal e das mulheres rurais e indígenas na sustentabilidade da agricultura em Roraima,  estão em andamento.