A transição energética é uma mudança de paradigma que envolve não só a geração de energia, mas também o consumo e o reaproveitamento dela. O conceito parte da migração de matrizes energéticas poluentes para fontes de energia renováveis, como hidrelétricas, eólicas, solares e de biomassa. Pensando em como a bioenergia e a agricultura podem contribuir entre si, por meio da utilização de tecnologias e inovações que promovam a sustentabilidade, a Embrapa investe em pesquisas e ações para que cada vez mais se promova o desenvolvimento sustentável. Para explicar quais são as novidades e desafios neste setor, o Entre Solos conversou com o chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Alexandre Alonso.

Quais são os principais desafios da Embrapa para o setor de Energia no Brasil?

Antes de falar dos desafios da Embrapa, acho importante falar sobre os desafios globais nesse sentido. Existe um movimento de transição energética que tem origem em fontes de energia não renováveis como petróleo, carvão e gás natural e que conta com uma participação maior de fontes de energia renováveis como energia hídrica e solar. Essa discussão ganha espaço na agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e de transição energética, com o objetivo de promover a descarbonização e estimular a produção de biocombustíveis e biomassa. Esse movimento para buscar a descarbonização causa um efeito palpável no cenário global.

No ciclo dos biocombustíveis há uma emissão de CO2 menor, como por exemplo o etanol, que tem o nível de emissão reduzido em relação à gasolina. As palavras de ordem passam a ser Bioeconomia, Economia Circular e Economia Verde. Existe uma necessidade de reinvenção do paradigma econômico dominante. A nova economia e a agricultura têm muito em comum e ambas são dependentes de sistemas biológicos, renováveis.

Nesse sentido, a Embrapa tem pesquisas intensas em bioenergia como estratégia para a descarbonização. A intenção é produzir mais biocombustíveis com foco em matrizes renováveis como a cana-de-açúcar. A Política Nacional de Biocombustíveis, a RenovaBio, tem como meta aumentar a produção de biocombustíveis nos próximos anos com etanol, biodiesel e biogás, bem como, por meio de novos biocombustíveis como os derivados de biomassa, diesel renovável e hidrogênio verde, utilizados na eletrificação veicular, além de possibilitar outras perspectivas muito interessantes para promover a sustentabilidade.

Como a tecnologia e inovação têm ajudado nos estudos e pesquisas da Embrapa em relação à energia?

A tecnologia e inovação estão presentes em todas as pesquisas da Embrapa e é importante ressaltar o quanto a ciência é relevante e presente na agricultura. A Embrapa tem atuado para ajudar a interpretar e identificar os problemas agrícolas, além de desenvolver, por exemplo, novas variedades de cana-de-açúcar geneticamente modificadas. É também pioneira em obter a primeira variedade de cana-de-açúcar adequada e mais resistente às pragas.

Outra inovação nas pesquisas da Embrapa é a tropicalização da canola e inserção na cadeia produtiva de óleo vegetal. Esse estudo avaliou os impactos econômicos da canola na etapa agrícola, considerando essa cultura como alternativa ao milho em safrinha após o cultivo da soja, e na etapa agroindustrial, com a produção de óleo de canola frente ao óleo de soja, em áreas equivalentes. Também desenvolveu o coquetel enzimático, mistura de enzimas que mostrou alto desempenho para gerar etanol a partir de bagaço de cana.

Na agricultura, qual a importância do desenvolvimento de programas de energias renováveis e sustentáveis?

Temos que avaliar essa questão por duas óticas: a primeira, a partir da importância da agricultura para as energias renováveis e sustentáveis e em seguida, das energias para a agricultura.

Muito do crescimento que projetamos a respeito das energias renováveis depende de um suprimento adequado de matéria-prima. Temos que pensar na intensificação sustentável que vem por meio dos produtos produzidos na agricultura. Tudo isso faz parte do processo de multifuncionalidade da agricultura que é provedora da matéria-prima para as energias renováveis e sustentáveis. A agricultura é fundamental para a produção de energias renováveis. As usinas de açúcar, por exemplo, tendem a ser muito mais do que apenas produtoras de açúcar, mas vão produzir vários produtos que estão conectados a essa cultura.

Na verdade, fazemos uma proposição com a tecnologia e vemos que conseguimos produzir qualquer químico, a partir da biologia.

Agora pensando no inverso, a geração de energia nas propriedades rurais ajuda na produção de biogás e eletricidade. Elas contribuem para uma geração mais distribuída de energia, além de melhorar a condição das propriedades agrícolas, irrigação das áreas com déficits hídricos e utilização de biotecnologias nas pequenas propriedades.

Quais são as novidades em relação aos estudos da Embrapa no que diz respeito à Energia e Sustentabilidade?

São inúmeros os projetos, pesquisas e programas no campo das biotecnologias e bioprocessos. Temos muitas pesquisas em fase de conceito, com escalonamento para os próximos anos, bem como investimentos em biorrefinarias para criação de novos componentes químicos como plásticos, insumos para produção agrícola, biofertilizantes e investimentos na preservação dos componentes sustentáveis.

Não basta dizer que é sustentável, é preciso realmente provar com ações práticas. A Embrapa elaborou uma pesquisa que estruturou a métrica de uma política nacional, com a criação da RenovaCalc. Essa é uma ferramenta estruturada para avaliar diferentes rotas de produção de biocombustíveis: etanol de cana-de-açúcar de primeira e de segunda geração, etanol de milho, biodiesel, biometano e bioquerosene. Para cada rota, dados de inventário de ciclo de vida de processos de background, advindos da base de dados ecoinvent, são agregados aos parâmetros técnicos da produção agrícola e industrial informados pelo produtor de biocombustível.

Você fez uma palestra na abertura da Green Rio com o tema “Contribuições da agricultura para bioeconomia e descarbonização”. Fale sobre os principais pontos abordados durante a palestra.

Falei sobre o cenário para o desenvolvimento da Bioeconomia e o papel dos biocombustíveis como estratégia para a descarbonização. Ressaltei também o importante papel da tecnologia e inovação na agricultura e na agroindústria. Quase todos associam tecnologia e inovação a smartphones e notebooks, mas não se dão conta do conjunto de tecnologia existente na agricultura. Um exemplo desta tecnologia são os biocombustíveis que são derivados de biomassa renovável e podem substituir, parcial ou totalmente, combustíveis derivados de petróleo e gás natural em motores a combustão ou em outro tipo de geração de energia. São fontes de energia alternativa que apresentam baixo índice de emissão de poluentes.

Como você vê a participação do Brasil em relação aos desafios sustentáveis?

O Brasil é uma potência agroambiental e por isso podemos ser os maiores geradores de crédito de carbono do mundo. Cerca de 75% da oferta de créditos de carbono virá da agricultura, pecuária e florestas, e o Brasil poderá suprir até 37,5% da demanda mundial voluntária até 2030, gerando US$ 100 bilhões em créditos (ICC, 2021).

Temos o desafio de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, e implementar sistemas lavoura-pecuária-floresta (ILPF) em mais 5 milhões de hectares até 2030, práticas que representam 98% do potencial de mitigação do setor. Muitos países gostariam de estar na condição atual do Brasil em relação às energias renováveis. Vários países almejam estar no nível em que o nosso país está. Temos grandes possibilidades para um futuro.

Como você analisa o papel da inovação e tecnologia no futuro da agricultura brasileira?

Ciência, tecnologia e inovação movem a bioeconomia, e o futuro é “bio”. Hoje já temos novos mercados para os bioinsumos, bioprodutos e químicos renováveis e, por meio de tecnologias como a das biorrefinarias, onde se aproveita todo o potencial das biomassas, já se provou que é possível conciliar a produção de bioenergia sem impactar a produção de alimentos. Nosso planeta é finito, mas criatividade e inovação são processos sem limites, infinitos.