Os números são chocantes: em cada 10 famílias, só 4 conseguem se alimentar satisfatoriamente. 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil. Os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia não trazem, porém, grandes novidades para Gilson Rodrigues, mais conhecido como o Gilson do G10 Favelas. Ele passou boa parte da infância dormindo debaixo da mesa de sinuca do boteco de uma tia, na favela de Paraisópolis, em São Paulo. A mãe, surda-muda, doméstica, 14 filhos, faleceu aos 29 anos, vítima de câncer. O pai? “Nada consta”. Hoje à frente do Grupo que reúne líderes e empreendedores das favelas, Gilson se considera um “milagre”.
Quando nos concedeu essa entrevista, estava nos Estados Unidos. Participando da Semana das Favelas do Brasil em Nova York. Ele e um grupo de Paraisópolis, se encontraram com o Embaixador João Genésio de Almeida Filho, Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas. O objetivo da viagem foi mostrar a força e a representatividade econômica das favelas brasileiras e arrecadar recursos para os programas do G10 voltados para ações de impacto social, educação e empreendedorismo.
Nos últimos dois anos, o G10 Favelas entregou cestas básicas, marmitas, kits de higiene, máscaras, para tentar diminuir as dificuldades que a população favelada de São Paulo enfrentou, especialmente durante a pandemia de Covid-19. Foram mais de 500 mil pessoas beneficiadas.
Por isso, o Entre Solos – Semeando Conexões, traz hoje uma entrevista exclusiva com o Gilson para falar da fome no Brasil e de como é preciso combatê-la, de forma perene, contínua.
Por Denise Correa.
Os números mais recentes sobre a fome no Brasil são assustadores. Gilson, o que se pode fazer diante dessa situação?
O morador da comunidade foi o primeiro a ter seu emprego cortado na pandemia e o último a voltar para o mercado de trabalho. Nunca existiu home office dentro da favela. O que existe é fome, falta de investimento e descompromisso.
Tem muita gente vivendo em insegurança alimentar nas favelas brasileiras?
A fome já atinge 33 milhões de brasileiros, a fila que se forma diariamente na frente do nosso Pavilhão Social, desde muito cedo, para retirada das marmitas solidárias, parece não ter fim. Quem já retirou uma, volta para o final da fila na esperança de pegar outra para alimentar a família.
Existe alguma solução sendo implementada pelo G10 ou por outras instituições?
As iniciativas que fazem parte do G10 HUB – Acelerador de negócios trabalham em prol da evolução e desenvolvimento das favelas do Brasil, levando qualificação e oportunidade para independência financeira. Ainda fazemos campanhas de combate à fome para atender famílias em vulnerabilidade social.
Na sua visão, de que forma agricultores e produtores do campo podem contribuir para diminuir a fome no país?
Os agricultores e produtores do campo são fundamentais na luta, no combate à fome. Eles são a força motora, local, que planta, colhe, rega toda essa economia potente que pode estar a serviço do combate à fome e à má nutrição. Nós acreditamos muito que programas de estímulo inclusive à agricultura familiar, estímulo em que as pessoas possam produzir e vender seus alimentos é fundamental para gerar economia, trabalho, renda e combater a fome.
Durante a pandemia, a fome aumentou muito, né? Mas também houve muita ajuda…
A gente percebe que existe sempre um pico de ajuda e depois as pessoas acabam se acostumando com essa necessidade. Mas também os preços dos alimentos, a inflação, a gasolina, ficou tudo muito mais caro. Mesmo aqueles que podiam ajudar um pouco, começaram a olhar e se preocupar. Porque pode faltar para esses também.
Você possui números de pessoas alimentadas por todas as ações do G10 e outros?
Dados de março de 2020 até junho de 2022:
– Distribuição de 3.892.000 (três milhões, oitocentos e noventa e dois mil) cestas
– 36 mil cartões de alimentação (vale cesta)
– Mãos de Maria: mais de 3 milhões de marmitas entregues
– AgroFavela: 2 mil toneladas de hortaliças distribuídas
O ODS 2 – Objetivo de Desenvolvimento Sustentável pretende acabar com todas as formas de fome e má nutrição até 2030. Você acredita que o Brasil e o mundo conseguirão atingir esse objetivo neste prazo?
As pessoas que moram na favela sempre serão as primeiras a terem seus empregos cortados e terão mais dificuldades para conseguirem um trabalho. Sem uma fonte de renda que possa garantir o sustento da casa, a fome tem sido presença constante na vida delas. Enquanto isso acontecer, não será possível acabar com a fome no Brasil.
Em poucas palavras: como a gente pode acabar com a fome no Brasil?
As favelas movimentam milhões de reais. Não basta ficar no que é pontual, a doação de cestas. É preciso investir no empreendedorismo da população. Só assim se combate a fome e o desemprego.