O cenário de escassez hídrica se intensifica a cada ano. Como seguiremos produzindo alimentos?

A água é essencial para a vida e é um dos bens mais valiosos do planeta. Ela compõe 70% da superfície da Terra, porém, em sua maioria, está na forma salgada dos mares. Apenas 3% da água é doce e disponível para matar a sede das pessoas, dos animais e assegurar a produção dos alimentos, fibras e energia. 

A oferta limitada de recursos hídricos vem despertando a atenção da humanidade. Afinal, um cenário de crise hídrica pode impactar o mundo de várias formas. Além de atingir diretamente o abastecimento da população, afeta os ecossistemas aquáticos e terrestres, assim como a produção de alimentos e de energia. 

Segundo o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2021 (World Water Development Report – WWDR), mais de 2 bilhões de pessoas vivem em países ou regiões com escassez de água potável e utilizam recursos hídricos contaminados. Ainda de acordo com o mesmo estudo, cerca de 5% dos desastres naturais são causados pela seca, que atinge 1,1 bilhão de pessoas, matando mais 22 mil e causando US$ 100 bilhões em prejuízos. 

No Brasil, o cenário também não é otimista. Estamos enfrentando o menor nível de chuvas dos últimos 90 anos. Fato que nos coloca diante de uma crise hídrica que, além ter consequências diretas, como falta d’água em muitos lares, tem ocasionado o desabastecimento nas principais usinas hidrelétricas do país, elevando o preço da energia elétrica.

Água, um recurso essencial à produção agrícola

A água é essencial para a manutenção da vida. Além de matar a sede das pessoas e dos animais, é responsável pela hidratação das plantas, sejam elas nativas ou cultivadas. Como se não bastasse tudo isso, a água é utilizada para a geração de energia. No Brasil, a energia elétrica é proveniente das hidrelétricas, oriunda da dinâmica dos fluidos dos rios. O que significa dizer que a água é crítica no funcionamento de diversos setores da economia. 

A produção agrícola também demanda grande quantidade de água.  Atualmente, a agricultura é responsável por 70% da utilização desse recurso em âmbito mundial. Seu uso é destinado principalmente para irrigação, mas também para rebanhos bovinos e psicultura. 

Tomando como base os destinos de uso da água, é fácil prever que o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico, aumentam a demanda pelo recurso. Adicionando mais de dificuldade à equação de abastecimento, ainda enfrentamos alterações na distribuição das chuvas, por conta das mudanças climáticas. 

Com isso, não faltam esforços na busca por soluções para enfrentarmos a escassez de água e atendermos à maior demanda por alimentos, fibras e energia.  Estratégias que vão desde a adaptação de plantas às condições de déficit hídrico até sistemas de irrigação integrados ao monitoramento digital do solo e dos cultivos.

A disponibilidade de água será um desafio cada vez maior

As mudanças no uso e a ocupação da terra têm provocado aumento de emissões de CO2, contribuindo com o aquecimento global e consequentemente, intensificando as mudanças climáticas e impactando na disponibilidade de água. 

De acordo com as projeções mundiais, em menos de 30 anos a população global deve ultrapassar os 9 bilhões de pessoas. Se pensarmos que o crescimento populacional ocorre em um ritmo mais acelerado do que a melhoria do sistema de fornecimento de água potável, será preciso aumentar a produção de alimentos diante de um cenário de escassez de recurso hídrico.

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que o mundo vai precisar de cerca de 60% mais alimentos até 2050, e que a produção irrigada de alimentos vai aumentar mais de 50% ao longo do mesmo período. No entanto, os dados que o relatório WWDR apresentam são alarmantes na questão do uso da água. De acordo com relatório o mundo deve enfrentar um déficit hídrico de 40% até 2030. 

O Brasil se destaca por sua oferta hídrica

O Brasil apresenta um dos maiores reservatórios de água doce do mundo – o Sistema Aquífero Grande Amazônia e o Aquífero Guarani. No entanto, mesmo com muita água subterrânea, não podemos consumir de forma desordenada. Esses aquíferos dependem de um regime regular de chuvas e ainda sofrem reposição lenta, em função da velocidade de deslocamento dos fluxos subterrâneos. 

Soma-se a esse cenário, a má distribuição da população em relação a esses reservatórios. Há uma diferença significativa entre suas regiões hidrográficas no que diz respeito à oferta e à demanda de água. A concentração de pessoas nas diferentes regiões é desproporcional à disponibilidade de água subterrânea, o que vale também para a água superficial no caso brasileiro. 

Práticas agrícolas sustentáveis e proteção das áreas verdes são essenciais 

Nos últimos 30 anos, a modernização da agricultura fez da captação e utilização de recursos hídricos, elementos-chave para a expansão dos cultivos e da produtividade. Novas tecnologias, regulamentação, sistemas de produção e boas práticas agrícolas podem explicar como estamos aumentando produção no campo e trabalhando pela economia de água. 

Nessa direção, não faltam estudos e pesquisas avaliando formas de se entregar apenas o volume necessário de água para as plantas, evitando o acúmulo no solo e o desperdício. Quando um sistema de irrigação é bem planejado e dimensionado, pode elevar a produtividade em até 3 vezes.  A otimização desses sistemas tem sido alcançada quando se combina o monitoramento digital das lavouras. Com isso, é possível economizar até 60% de água na produção. Sem falar nas sementes e mudas tolerantes à seca, adaptadas a crescerem em ambientes de escassez de água.

Um outro aspecto essencial na conservação dos recursos hídricos é a preservação das áreas verdes. No Brasil, a legislação ambiental está presente desde a época da colonização. No fim do século 18 foram já foram iniciados programas de recuperação de florestas. Hoje é o Código Florestal de 2012 que estabelece as regras para a preservação da vegetação nativa, mas sua implementação ainda é um desafio em vários estados brasileiros. 

Em suma, os efeitos climáticos e a necessidade de soluções cada vez mais eficientes, nos guiarão em direção a uma produção cada vez mais sustentável. Com auxílio da ciência, tecnologia e legislação implementada, temos tudo para modificar práticas, garantindo, assim, uma segurança hídrica e alimentar para as próximas gerações.

Principais fontes

Moreira, T.M.; Seo, E.S.M. Reuso da água de chuva: uma alternativa sustentável para os períodos de escassez hídrica. Brazilian Journal of Animal and Environmental Research, 2021.

Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2021 (World Water Development Report – WWDR). Disponível em < https://materiais.pactoglobal.org.br/valor-da-agua-fatos-e-dados> Versão original em inglês < http://www.unesco.org/reports/wwdr/2021/en/download-the-report >

Villes, V.S.; et al. Água como bem econômico: dessalinização para o combate da escassez hídrica no agronegócio. Disponível em: http://dx.doi.org/10.20435/multi.v24i57.2152.