Um melhor entendimento sobre alimentação e meio ambiente pode promover não apenas a nossa saúde, mas também auxiliar a reduzir os fatores que elevam o aquecimento global. De fato, não existe uma solução simples quando se trata de produção de alimentos, diminuição da insegurança alimentar e atendimento à agenda climática. Diante disso, especialistas procuram se orientar no que os estudos revelam. Neles, os dados indicam que a inclusão de produtos de origem vegetal faz bem para você e para o Planeta.
Conhecer a origem dos alimentos, valorizando a produção local e o trabalho de pequenos produtores, representa um caminho importante na transição para hábitos alimentares mais saudáveis (para nós e o meio ambiente) e acessíveis para todos.
Nesta entrevista, a nutricionista Lara Natacci, com PhD e pós-doutorado em Nutrição pela USP, especializada em Transtornos Alimentares, Nutrição Esportiva e Nutrição Clínica Funcional compartilha seu conhecimento conosco. A Dra Natacci também é do comitê consultivo do Entre Solos, iniciativa do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, e da SBAN, diretora clínica da Dietnet, autora de livros, e-books de nutrição e colunista da revista Veja Saúde.
Nosso entendimento sobre alimentação saudável está mais conectado às agendas de desenvolvimento sustentável? De que forma?
Um padrão alimentar saudável é aquele que favorece a manutenção da saúde e auxilia na proteção contra doenças crônicas não transmissíveis. Isso inclui manter um peso corporal adequado, fortalecer o sistema imunológico e garantir um metabolismo eficiente. Existem várias dietas reconhecidas por promover esses benefícios, como a dieta mediterrânea, que é amplamente estudada em relação à prevenção de doenças e promoção da saúde. Além disso, estudos recentes também têm destacado a dieta mediterrânea como uma opção sustentável, que beneficia não apenas a saúde humana, mas também o meio ambiente.
Portanto, a dieta mediterrânea é uma opção viável, mas é importante considerar o conceito de dietas sustentáveis, não é mesmo? Recentemente, um artigo reconheceu a dieta mediterrânea como uma escolha benéfica para o planeta, destacando-a como uma dieta que valoriza a sustentabilidade. Mas o que exatamente são essas dietas sustentáveis? São aquelas como a mediterrânea e a dieta do Willett, apresentada no The Lancet em 2019, voltada para a saúde do planeta.
As dietas sustentáveis têm um baixo impacto ambiental, contribuindo para a melhoria da biodiversidade e dos ecossistemas, ao mesmo tempo que preservam recursos e beneficiam as comunidades. Elas também são economicamente justas, nutricionalmente adequadas, culturalmente aceitáveis e acessíveis, promovendo assim a segurança alimentar da população. Esse é o cerne da dieta sustentável, e ela está alinhada com alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como a preservação do planeta, a redução das emissões de gases de efeito estufa e o acesso equitativo aos alimentos.
Há estudos que destacam os princípios da nutrição sustentável, como a preferência por alimentos à base de plantas, produtos regionais e sazonais, além do apoio ao comércio justo. A sustentabilidade também abrange práticas domésticas que economizem recursos e respeitem a cultura, juntamente com a priorização de alimentos de origem natural. Esses elementos caracterizam uma dieta sustentável, que considera todas as etapas da cadeia de suprimentos de alimentos, desde a produção de insumos até o descarte de resíduos, com foco na redução do desperdício.
Como nossas escolhas alimentares podem se conectar aos desafios climáticos?
Um exemplo disso é a dieta para a saúde do planeta, lançada por Willett, renomado pesquisador de nutrição de Harvard, em 2019. Esse esforço surgiu da colaboração de pesquisadores de diversas regiões do mundo, buscando garantir a segurança alimentar para o futuro. Apesar dos avanços na produção de alimentos, que reduziram a fome e melhoraram a qualidade de vida, as mudanças climáticas e ambientais influenciaram os padrões alimentares. Houve um aumento no consumo de alimentos ricos em açúcar, gordura e sódio, bem como de produtos de origem animal, resultando em impactos ambientais negativos, como desmatamento e aumento das emissões de gases de efeito estufa. Diante dessas questões, o grupo de pesquisadores liderado por Willett propôs uma mudança alimentar para abordar esses desafios.
Em 2019, diante da ausência de metas científicas para dietas e produção sustentável de alimentos, uma comissão multidisciplinar liderada por Walter Willett reuniu-se para abordar a questão. Com representantes de áreas como saúde, agricultura e ciências políticas, a proposta era desenvolver uma dieta que minimizasse o impacto climático da produção de alimentos, enquanto promovesse a saúde humana. O objetivo era estabelecer metas científicas aplicáveis a toda a população, visando garantir acesso universal aos alimentos e sustentar a produção alimentar global. A recomendação final era aumentar o consumo de frutas, verduras, legumes e sementes até 2050, enquanto reduzir pela metade o consumo de carne vermelha e açúcar. Destacou-se a importância de uma dieta rica em alimentos vegetais, colocando-os como protagonistas na alimentação.
Então, como medidas para diminuir o impacto ambiental da produção de alimentos, eles destacam a dieta, a redução do desperdício e a otimização da produção de maneira sustentável.
De que forma podemos avançar com maior conscientização sobre hábitos alimentares mais saudáveis no Brasil?
Em relação às ações que podemos tomar, a primeira é reduzir o consumo de alimentos de origem animal e aumentar o consumo de alimentos de origem vegetal. Porém, na vida real, precisamos considerar que atualmente há um maior consumo de alimentos de origem animal, com a carne sendo frequentemente o destaque do prato. Portanto, seria ideal uma abordagem mista, com a carne como acompanhamento. Não é possível mudar drasticamente o consumo da população de uma vez, então podemos começar diminuindo gradualmente o tamanho das porções de carne. Por exemplo, se alguém costuma comer um bife médio, poderia comer um pequeno, reduzindo de 120 gramas para 100 ou 80 gramas.
Da mesma forma, podemos aumentar a quantidade de leguminosas, como feijão e lentilha, e de outros alimentos de origem vegetal, como verduras e legumes, além de diversificar, incluindo alimentos de cores diferentes e utilizando produtos da época, que tendem a ser mais sustentáveis e acessíveis. Dessa forma, os alimentos de origem vegetal se tornariam os protagonistas do prato, e as mudanças poderiam ser feitas gradualmente para garantir a sustentabilidade da transição alimentar.
No que se refere ao desperdício de alimentos, é importante destacar que há uma perda de pelo menos 30% dos cereais e quase metade das frutas, legumes e verduras no mundo. Por isso, algumas dicas são aproveitar as sobras em receitas como sopa, omelete, torta e suflê, planejar as compras para evitar excessos, optar por frutas, legumes e verduras “feios”, que são mais baratos e igualmente nutritivos. Além de manter a geladeira na temperatura correta, armazenar os alimentos de forma adequada e prestar atenção às datas de validade. Outras sugestões incluem priorizar o consumo dos alimentos mais antigos, compartilhar o excedente com quem precisa e, sempre que possível, realizar compostagem com os resíduos alimentares, como cascas e sobras de vegetais.
O entendimento sobre a origem dos alimentos pode contribuir com os melhores hábitos alimentares e redução da insegurança alimentar?
Atualmente, as pessoas estão mais preocupadas em saber quem produziu e como foram produzidos os alimentos. Antigamente, essa informação não era tão divulgada nem valorizada. Essa mudança de mentalidade é importante, pois pode levar as pessoas a diversificarem mais os alimentos e a consumirem novas opções, especialmente os alimentos de origem vegetal. Conhecer a origem dos alimentos pode estimular melhores hábitos alimentares, incentivando a escolha de alimentos mais naturais e saudáveis. Além disso, quando os alimentos são produzidos de forma artesanal ou por pequenos produtores, geralmente têm um custo mais acessível, o que contribui para a segurança alimentar. Portanto, é importante apoiar e incentivar os pequenos produtores, pois isso beneficia a todos no processo.