Solos férteis são um recurso finito, com valor incalculável. Segundo a FAO – Food and Agriculture Organization (em português, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), os solos estão sob pressão com a intensificação do seu uso para atividades urbanas e agropecuárias. A cada ano, mais de 13 milhões de hectares tem uma gestão inadequada do recurso.

Solos funcionais desempenham um papel fundamental no fornecimento de água limpa e resiliência a enchentes e secas, além de atuarem ativamente na regulação de gases, emissão, captura e armazenamento de CO2. Entender, conservar e implementar ações incluindo o solo como variável importante no manejo integrado de pragas (MIP) e outras práticas é essencial para alcançarmos os ODS da Agenda 2030.

No dia mundial do solo, tivemos a honra de conversar com o especialista em solo, Diego Siqueira. Diego é cientista, empresário focado em tecnologias emergentes pela Quanticum, Embaixador do Fundo Patrimonial da UNESP – o Prospera, e professor no Programa de Extensão Inovadora da Esalq/USP – o SolloAgro, um dos maiores programas de educação continuada em Ciências do Solo da América Latina.

Confira a entrevista.

Na sua visão, como as empresas podem incluir o solo em suas estratégias de impacto ambiental positivo?

Nós, juntamente com as mais de 25 mil empresas e organizações participantes do Pacto Global, compartilhamos o mesmo compromisso de ajudar as pessoas e o planeta em diversas áreas. No que tange às temáticas sobre solo, estamos comprometidos em tornar a ciência e tecnologia acessíveis para todos. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as ODS da ONU, são amplamente conhecidos, mas poucos sabem que mais de 50% deles têm relação direta com o solo. Por exemplo, o ODS 13, que trata das mudanças globais do clima, o solo é um dos maiores reservatórios naturais de carbono. Não estamos falando apenas de raízes, mas do carbono protegido por estruturas minerais do solo, que formam uma armadura e prolongam a permanência do carbono na Terra, impedindo que ele vire gás e contribua para o aquecimento global.

Outro exemplo é o ODS 15, sobre vida terrestre, onde 25% da biodiversidade terrestre está no mundo microscópico do solo, como bactérias e fungos. Em uma colher de sopa de solo saudável, há mais organismos vivos do que em toda a grande São Paulo. Já na ODS 12, que trata de consumo e produção responsáveis, vemos o crescimento do conceito de saúde do solo e da agricultura regenerativa. Pesquisas em nanotecnologia e geoquímica vêm conectando setores como mineração e agricultura para produzir o novo solo, essencial para melhorar ciclos de carbono, água e alimentos, além de viabilizar combustíveis sustentáveis, como o SAF (Sustainable Aviation Fuel) combustível de aviação sustentável. Ao aplicar ciência de ponta, podemos identificar riscos, prevenir desastres climáticos e corrigir assimetrias, reequilibrando o solo, que gera mais de 80% do que consumimos.

Os solos desempenham um papel crucial nos ODS e nas funções ecossistêmicas. Diante das mudanças climáticas e eventos extremos, você acredita que os solos estão emitindo sinais de alerta que ainda ignoramos?

Assim como doenças silenciosas como diabetes e hipertensão, os solos também enfrentam perdas invisíveis, que trazem consequências visíveis, mas muitas vezes tratadas de forma inadequada. Na saúde, aprendemos no início do século XX que o sangue não é todo igual. E isso revolucionou a medicina. Hoje sabemos que o solo também não é todo igual. Existem diferentes tipos, como o latossolo, um dos mais antigos do mundo. Porém, mesmo dentro de uma mesma classe de solo, há variações com diferentes tipos de argila, que podem influenciar diretamente a funcionalidade natural da terra e das suas funções ambientais. Quando negligenciamos essas diferenças dos tipos de argila, representadas por nanopartículas fabricadas pela natureza e, menores do que um fio de cabelo dividido milhares de vezes, aceleramos a degradação da terra.

Como podemos contribuir para cuidar da saúde do solo e reequilibrar suas funções ambientais?

Aqueles redemoinhos de poeira ou tempestades de areia, não são apenas fenômenos climáticos. São um reflexo da degradação do solo. Precisamos rever nossas práticas para captar os sinais de alerta de maneira correta, antes que os impactos sejam irreversíveis. A primeira medida é combater a desinformação. A comunicação precisa ser simples, acessível e humanizada. Também é fundamental dar mais visibilidade ao ITPS – Intergovernmental Technical Panel on Soils (em tradução livre, Painel Técnico Intergovernamental sobre Solos) da FAO, que reúne cientistas para propor práticas de manejo sustentável do solo. Como por exemplo, a recomendação da representante brasileira no ITPS, Maria de Lourdes Mendonça, que defende a aplicação imediata de conhecimentos técnicos para o enfrentamento dos desafios ambientais. Segundo a especialistas, as soluções já existem mas, precisam ser amplamente difundidas e aplicadas.

Para encerrar, qual mensagem você deixaria para quem vive da terra ou depende dela, direta ou indiretamente?

Eu cresci assistindo filmes de Jacques Cousteau com meu pai. O famoso oceanógrafo frequentemente comentava que sabemos mais sobre o espaço do que sobre os oceanos. Hoje, com mais maturidade, arrisco dizer que conhecemos mais sobre os astros e os oceanos do que sobre o solo sob os nossos pés.
O solo não é apenas sujeira. Ele é a base de tudo o que consumimos. Grande parte dos nutrientes essenciais para nossa sobrevivência passa pelo solo. Por isso, cuidar dele é, em essência, cuidar de nós mesmos. Afinal, é no solo que tudo começa.