Refletir sobre a saúde mental do trabalhador rural é um tema que passa despercebido para muita gente. Muitas vezes imaginamos que as pessoas que vivem no campo desfrutam de excelente qualidade de vida como tranquilidade, ar puro e boa alimentação, mas a realidade desse povo pode ser bastante diferente do que presumimos.
As atividades no campo requerem trabalho árduo e, frequentemente, desconfortável. Desse modo, a compreensão dos princípios que levam às questões de saúde e doença com foco no aspecto mental do trabalhador rural é, sem dúvida, um desafio. Portanto, nos meses de setembro amarelo, quando ocorre a campanha de prevenção ao suicídio, queremos nos atentar às condições de vida e saúde das populações rurais e considerar quais aspectos marcam o cenário cotidiano daqueles que se dedicam à produção de alimentos e outros bens que consumimos.
Um panorama geral das condições de trabalho no campo
As condições de trabalho no campo vêm trazendo grandes preocupações, por caracterizarem alta prevalência de doenças, incluindo transtornos mentais, além dos problemas relacionados ao uso inadequado de produtos químicos e equipamentos no campo. Motivos que levaram ao aumento de estudos relacionados ao tema nos últimos anos.
Uma pesquisa realizada recentemente teve como objetivo analisar a inclusão da saúde mental do trabalhador rural na construção da agenda e implementação das principais políticas públicas de saúde do território nacional.
De acordo com dados apresentados no estudo, o Brasil lidera o ranking com maior prevalência de transtorno de ansiedade, o que corresponde a 9,3% da população apresentando esse quadro. Entre 2012 e 2016, os transtornos mentais foram um dos principais motivos para afastamento do trabalho, totalizando 668.927 casos.
Portanto, se considerarmos as comunidades com modos de vida relacionados ao campo, como agricultores familiares, trabalhadores rurais assalariados e temporários que residam ou não no campo, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais, compreender as questões de saúde e doença com foco no sofrimento mental é, sem dúvida, um grande desafio.
Nesse sentido, refletir a necessidade de inclusão dessa demanda nas discussões relacionadas à construção das políticas públicas para prevenir, acolher e tratar o portador de transtorno mental da zona rural é de extrema importância. Inclusive, assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades, é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, o ODS 3.
Trabalhadores rurais também sofrem com falta de acesso aos serviços de saúde
O Relatório Mundial de Saúde Mental: transformando a saúde mental para todos publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022 indicou que a população rural apresenta sérias dificuldades de acesso a tratamentos e recursos para cuidar da saúde mental quando comparado a quem está nas cidades e centros urbanos. Essa constatação vem de um levantamento da OMS apresentado no relatório apontando que em 2019, 67% dos países do mundo gastaram menos de 20% do orçamento que havia sido destinado à saúde mental para serviços voltados à população. As comunidades que vivem mais afastadas das cidades, como a população rural, indígenas e ribeirinhos, estão ainda mais distantes desse tipo de atendimento médico.
O estudo também relatou a falta de investimentos em equipamentos, instalações, materiais de trabalho e equipe médica. Além disso, a ausência de infraestrutura para transporte, o que facilitaria o acesso da população que está distante dos postos de saúde, é um grande desafio a ser enfrentado. Outra constatação importante apresentada no relatório é quanto à distribuição de força de trabalho especializada (psicólogos e psiquiatras), que acabam se concentrando majoritariamente nas cidades e grandes instituições. Essa falta e desequilíbrio de pessoal treinado é uma enorme barreira ao atendimento e coloca os serviços fora do alcance das pessoas do campo, que muitas vezes não podem ou optam por não utilizá-los devido aos custos, tempo e sistemas de transporte serem pouco confiáveis.
Iniciativas internacionais que melhoram a qualidade de vida do trabalhador rural podem nos servir de exemplo
O relatório da OMS, destacou um caso relacionado a um programa conhecido como VISHRAM – Vidarbha Stress and Health Program. A iniciativa foi projetada para abordar fatores de risco de problemas de saúde mental com evolução para suicídio na zona rural do Distrito de Amravati de Vidarbha, na Índia central. O programa foi executado ao longo de 18 meses em 2014 e 2015.
A VISHRAM usou um modelo escalonado de cuidado colaborativo, em que os agentes comunitários de saúde visitaram as casas das pessoas das comunidades rurais e realizaram pequenas reuniões para aumentar a conscientização sobre as condições de saúde mental e os serviços disponíveis para tratá-los. Eles também ajudaram a identificar pessoas com sintomas de depressão, persuadindo-os a falar a um conselheiro leigo para primeiros socorros psicológicos; ou, para pessoas com sintomas mais graves, visitar uma clínica de extensão e consultarem-se com um psiquiatra.
No fim do projeto, a prevalência de pensamentos suicidas entre a população-alvo do VISHRAM caiu pela metade, e a prevalência de depressão caiu 22%. Também houve um aumento de seis vezes na porcentagem de pessoas buscando atendimento em saúde mental.
Iniciativas como essa demonstram que melhorar a conscientização e a busca por ajuda é um requisito fundamental para evitar problemas mais graves relacionados à saúde mental. Se as pessoas não souberem que algumas de suas dificuldades de saúde mental podem ser tratadas, elas não procurarão atendimento. Isso reforça a necessidade de iniciativas que tenham como foco, populações que vivem longe dos grandes centros e não possuem acesso às informações sobre esse tema.
O relatório mencionou também que em termos logísticos, consultas remotas talvez sejam convenientes, exemplificando que, durante a pandemia do COVID-19, era a única opção prática disponível para a maioria das pessoas. Além disso, muitos poderiam preferir esse formato para evitar possíveis constrangimentos de comparecer a uma consulta de forma presencial, além de reduzir o tempo e o custo da viagem para esse fim.