Em entrevista exclusiva para o Entre Solos – Semeando Conexões, o cientista, meteorologista e pesquisador Carlos Nobre analisa o momento do Brasil em relação às mudanças climáticas com um olhar realista sobre o papel do agronegócio brasileiro.

Carlos Nobre é pesquisador nas áreas de geociências e ciências ambientais com ênfase em meteorologia, climatologia, modelagem, mudanças climáticas, desastres naturais e ciência do sistema terrestre. Atuando principalmente nos temas ciências atmosféricas, clima, meteorologia, Amazônia e modelagem climática, interação biosfera-atmosfera, mudanças climáticas e desastres naturais.

O cientista e pesquisador não faz apenas críticas nesse bate-papo. Aponta também bons exemplos no Brasil e no mundo que podem e devem ser seguidos. Confira a conversa.

Por Denise Correa

QUANTO HÁ DE SUSTENTÁVEL NO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO?

CARLOS NOBRE: Do ponto de vista do Brasil como um todo, a sustentabilidade do agronegócio ainda é pequena. Pensando nas Mudanças Climáticas, essa não é uma agricultura sustentável. Ao contrário da maioria dos países e semelhante a alguns países tropicais, a maior parte dos gases do efeito estufa vem do desmatamento. Quando você vai para países industrializados, a maior parte da emissão vem da produção de energia, seja de energia elétrica, seja da queima de combustíveis ou produção de aço ou produção de cimento. A grande expansão da agricultura brasileira e a grande rapidez com que aconteceu (nas últimas duas décadas) também representa uma grande ameaça à biodiversidade.

O Brasil é um dos países com maior biodiversidade do planeta. Cerca de 15% de plantas e animais, dezenas de milhares de espécies, são endêmicas, ou seja, só existem aqui. Mas com o desmatamento e tudo o que vem acontecendo, essa biodiversidade está ameaçada. Portanto, o nosso país ainda não é um modelo sustentável para as mudanças climáticas e para a manutenção da biodiversidade. E tudo isso também está fazendo, de forma acelerada, o solo perder fertilidade.

A nossa agricultura é uma agricultura de curto período, não sustentável. Ela se esgotará num curto espaço de tempo. Não é uma agricultura que irá perdurar por séculos. Esse é um quadro geral…

Há pequenos e poucos exemplos de agricultura sustentável no Brasil. Em todos os biomas. Exemplos de sistemas integrados: lavoura, pecuária e floresta onde você tem um sistema rotacional, no qual você mantém o gado pastando numa área durante 10 a 15 dias, depois troca para outra área e naquela faz-se plantios que possam contribuir com a regeneração do solo, tendo árvores que absorvem carbono e promovem sombra para o gado e a plantação.

Esses sistemas integrados são muito mais produtivos e muito mais lucrativos. Eles fazem muito mais sentido econômico. Eles protegem a fertilidade do solo, eles retém material orgânico no solo. Eles retiram material orgânico do solo e retém gás carbônico e também ajudam a preservar a biodiversidade. No máximo, no Brasil, nós temos cerca de 3% das fazendas neste sistema integrado lavoura pecuária floresta – ILPF; cerca de 8% lavoura floresta ou pecuária floresta. Isso mostra que hoje existem soluções tecnológicas. A EMBRAPA já desenvolveu essas tecnologias há muitas décadas, mas isso não é implementado. Isso mostra também que há agricultura moderna nos países que possuem esses sistemas desenvolvidos.

Quando se faz essa produção intercalada, seja com floresta ou no Cerrado, se está contribuindo para aumentar o número de polinizadores e da biodiversidade. Está crescendo muito esse tipo de produção regenerativa. Os estudos da EMBRAPA já há 30 anos indicavam que se deixa os restos da colheita para trás e se protege e regenera a microfauna do solo. Isso aumenta muito a produtividade do solo. Isso limita o uso de fertilizantes que poluem o solo, os rios etc. Os ecossistemas aquáticos, os rios, mares. Os ecossistemas regenerativos são muito lucrativos. Mas para isso, é necessário envolver o agricultor. A soja, que é a maior cultura agrícola do Brasil, não tem uma só árvore em suas áreas de plantações. São quilômetros e quilômetros de plantação sem uma única árvore.

Nós temos exemplos de agricultura regenerativa e de plantio direto bem como da pecuária sustentável com o sistema rotativo lavoura/pecuária/floresta. Que mantêm mais estabilidade climática, reduz os riscos dos extremos climáticos, como as altas temperaturas, ondas de calor, chuvas muito intensas causando erosão, secas intensas causando perda de safra.

 

COMO A CIÊNCIA PODE AJUDAR A EVITAR MAIS PERDAS?

CARLOS NOBRE: Há muita ciência sobre o assunto. A EMBRAPA já desenvolveu várias práticas de agricultura e pecuária sustentáveis. Em 2010, o Congresso aprovou o Plano ABC que colocava financiamento à disposição para a utilização de seis práticas com esses Sistemas Integrados, Processamento de resíduos da agricultura, emissões… Só que esse financiamento era muito pequeno, só 4% nos últimos 10 anos saíram do financiamento do sistema público para a agricultura brasileira. Muitas instituições lutaram para que o Plano ABC fosse incorporado em todo o financiamento da agricultura brasileira. Todos os agricultores e pecuaristas que buscassem financiamento de suas atividades, teriam que se adequar ao plano ABC ou ter um plano mais audacioso que incluísse a proteção da biodiversidade, mudanças climáticas, a questão da qualidade da água. Existe financiamento para isso e os melhores exemplos de agricultura e pecuária sustentáveis são de pequenos e médios produtores. Mas estes financiamentos ainda são muito pequenos.

 

“Trazer tecnologia, educação apropriada e valor para a agricultura no Brasil é muito importante!” Carlos Nobre

 

O QUE É PRODUTIVIDADE NA AGRICULTURA?

CARLOS NOBRE: A produtividade na agricultura é um número, normalmente um produto final, seja na tonelada de carne na pecuária ou na tonelada de grãos na agricultura. É quanto se produz no ano por hectare (o hectare é um tamanho um pouco maior que um campo de futebol, 10 mil metros quadrados, é um número padrão que se tem).

Os EUA, por exemplo, têm uma agricultura intensiva. A do Brasil é extensiva – para saúde mental do gado, a do Brasil é melhor, pois aqui o gado é solto na pastagem. Nos EUA, o gado é preso em áreas pequenas. Os EUA têm 95 milhões de cabeças de gado e o Brasil tem 220 milhões. Os EUA produzem e exportam muito mais carne que o Brasil, mais que o dobro. Como eu dei o exemplo da soja, a soja do Brasil é aquela industrializada por grandes corporações que trazem sua alta tecnologia na produção de grãos. A soja da Amazônia brasileira, ainda assim, possui a metade da produtividade dos EUA. Os solos da Amazônia são muito pobres. A soja produzida em áreas tropicais não tem origem pois foi produzida em áreas diferentes da dela, dependendo assim de muito mais insumos, como nitrogênio entre outros, para que produza fora de seu habitat. Isso gera custo que entra na conta da produtividade.

É isso que chamamos de produtividade. O Brasil tem bastante espaço com a agricultura regenerativa já tão difundida no mundo, mas é preciso dar escala.

O Brasil tem a menor média de produtividade mundial. A soja é a que tem melhor performance em exportação no Brasil, mas ainda sua produtividade é abaixo inclusive do Uruguai e Argentina, apesar do grande espaço existente no e para o Brasil. O plantio direto é uma tecnologia desenvolvida há 40 anos que diminui os custos de produção e de uso de fertilizantes em cerca de milhões.

 

PODE EXPLICAR PRA GENTE O QUE É A BIOECONOMIA?

CARLOS NOBRE: Quando olhamos para o nosso passado, historicamente, há milhares de anos e até hoje em nossos grupos indígenas em todo o mundo, observa-se a presença de sete mil produtos alimentares em nossa cesta. Hoje, 85% de todas as nossas necessidades de proteínas são abastecidas com 12 produtos: 5 carnes e 7 grãos. Soja, arroz, milho… São 7 grãos e 5 carnes (bovina, suína, aves, peixes etc)

Veja, nós caímos de 7 mil para algumas dezenas. Essa variação gera inúmeros impactos, inclusive para a nossa saúde. A alimentação com um número reduzido de produtos variados gera inúmeros problemas para a saúde.

Uma pergunta que se faz, por exemplo, aos grupos indígenas… Eles já estavam aqui no Brasil há 15 mil anos. Esses grupos, principalmente aqueles que têm mantido suas tradições, utilizam centenas de produtos da floresta. Com a floresta em pé! Eles valorizam muito a floresta em pé. Eles utilizam centenas de produtos, principalmente para alimentação, mas também seus fármacos, material de construção, pra tudo o que precisam. O que nós temos na nossa economia no Brasil? Quantos produtos da nossa biodiversidade nós utilizamos? Pouquíssimos! O Brasil tem a maior biodiversidade do mundo! As florestas de mata atlântica são as mais biodiversas do planeta. O Brasil produz 5 mil frutas, vários milhares, comestíveis. Quantas frutas brasileiras nós temos em nossa alimentação? Não passam de 10. As frutas que consumimos são de fora. Frutas brasileiras são consumidas em pequena quantidade se compararmos a estas. Abacaxi, mamão, maracujá são nossos… e a mandioca que é a espécie que mais consumimos, tendo o segundo lugar o açaí, produto da biodiversidade amazônica, e o cacau.

O que é preciso levar para a sociedade brasileira, para o agronegócio e para o mercado é essa nossa grande diversidade, despertar para essa bioeconomia de floresta. Essa bioeconomia é baseada em sistemas agroflorestais, que vêm justamente das tradições indígenas. Os indígenas foram responsáveis pelos sistemas agroflorestais. Se verificarmos o adensamento de variedades de espécies que existem nas florestas, vamos observar que há um adensamento de espécies que lhes interessavam (aos indígenas) consumir, mas a floresta continua.

Então esse modelo de sistema agroflorestal é baseado em adensar algumas espécies de valor econômico mantendo a floresta em pé. Algumas cooperativas na Amazônia, como a da comunidade de Tomé Açu, uma das mais avançadas, que fica no Pará, eles utilizam 64 espécies neste sistema agroflorestal e destes 64, eles produzem mais de 120 produtos que

vendem no mercado local, regional e internacional. Os cooperados mudaram suas vidas, alcançaram em sua maioria a classe C ou classe média e alguns estão na classe B. Esse é um pequeno exemplo da potencialidade que a biodiversidade da Amazônia possui.

Os povos não indígenas, os povos tradicionais, ribeirinhos, quilombolas, já incorporaram a bioeconomia.

Nosso desafio é, além de juntar esses conhecimentos, mostrar as potencialidades dessa diversidade, agregar valor econômico e através disso, acharmos soluções baseadas no conhecimento tradicional, aliado ao desenvolvimento científico, e assim trazer lucratividade. Esses produtos terão valor e uso nas sociedades futuras quando tiverem novos usos e consciência. Nosso desafio é juntar tudo isso para promovermos o que chamamos de soluções baseadas na natureza. Soluções para aprendermos com essas comunidades que convivem com essas florestas em pé e somarmos as nossas tecnologias.

Por isso, nosso projeto se chama AMAZÔNIA 4.0. Pretende trazer essa indústria 4.0, mesclar isso com conhecimentos tradicionais e agregar valor a essas centenas de produtos e novas utilidades para começar a gerar essa nova bioeconomia.

 

“Nós temos que mudar radicalmente, nessa década, o nosso comportamento, principalmente as populações urbanas.” Carlos Nobre

 

COMO AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS AFETAM DIRETAMENTE A NOSSA VIDA?

CARLOS NOBRE: Em países tropicais, as mudanças climáticas são um grande risco. Principalmente no verão se nós falharmos enquanto país, se perdermos o controle das emissões. Por exemplo, a Amazônia está muito perto do ponto de não retorno. Se ultrapassarmos o ponto de não retorno, a floresta começa a se auto degradar. Em 30, 50 anos, ela desaparece em cerca de 60% da região amazônica e aparece um ecossistema altamente degradado. Com no máximo 1/3 de carbono que a floresta tem e joga 300 bilhões de gás carbônico para a atmosfera, fica praticamente impossível termos sucesso no Acordo de Paris. O derretimento da permacrosta, as superfícies congeladas da Sibéria, do Canadá, do Alaska e também ele descongelando, libera muito gás carbônico, principalmente o gás metano. Se não tivermos sucesso no acordo de Paris, nós vamos criar um planeta praticamente inabitável no século XXII. Isso tem embasamento científico. Nós vamos estar em cidades tropicais, como o Rio de Janeiro, em que o corpo humano não poderá ficar exposto; terá que ficar o dia todo em ambiente com ar-condicionado. Vamos colocar o planeta em condições que não acontecem há milhões de anos. Esse é o maior desafio que a humanidade já teve. E nós temos que fazer isso até meados do século. Então, as populações têm que ter uma conscientização muito grande sobre isso. Nós temos que mudar nosso comportamento. Nós temos que torcer para que as novas gerações, a geração da Greta, comecem a enxergar o risco que estão correndo. Pesquisas científicas têm mostrado que esses jovens não planejam mais ter filhos; o nível de ansiedade e depressão está aumentando nessa geração, pelo futuro que eles pensam herdar da nossa geração. Nós temos que mudar radicalmente, nessa década, o nosso comportamento, principalmente as populações urbanas.

 

QUEM É CARLOS NOBRE?

Graduou-se em engenharia eletrônica (1974) no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, São Paulo e fez doutorado em meteorologia (1983) no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT na sigla em inglês), Estados Unidos. Fez estágio de pós-doutoramento (1989) na Universidade de Maryland, EUA. Foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa (1975-1981) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe (1983- 2012). Exerceu funções de gestão e coordenação científicas e de política científica como presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes (2015-2016), diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden (2015) e secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI (2011-2015). É coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT). Recebeu vários prêmios como Fundação Conrado Wessel, na área de Meio Ambiente (2007); Von Humboldt Medal da European Geophysical Union (2009); condecoração da Classe Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República (2010); “Prêmio a la Cooperación em Ciencia, Tecnologia y Innovación Dr. Luis Frederico Leloir”, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva, da Argentina (2011); Volvo Environmental Prize, Suécia (2016). Além da ABC, é membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês) e membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciências, EUA (NAS, na sigla em inglês).