A agricultura regenerativa, uma abordagem cada vez mais relevante no contexto agrícola global, visa não apenas cultivar, mas também regenerar ecossistemas agrícolas. Diferentemente dos métodos tradicionais, que podem esgotar o solo e diminuir a diversidade de plantas e animais, a agricultura regenerativa adota práticas que ajudam o solo a ficar mais saudável, aumentam a biodiversidade no campo e ainda contribuem com o enfrentamento das mudanças climáticas.
Em regiões tropicais, a agricultura regenerativa adapta esses princípios fundamentais às condições climáticas únicas, como altas temperaturas e intensa precipitação. Isso inclui estratégias específicas para conservação de água, manejo de solos e integração de culturas diversas, focando não apenas na sustentabilidade agrícola, mas também na preservação dos recursos naturais e no fortalecimento das comunidades locais.
Para entendermos quais são os principais desafios e como estamos avançando com a agricultura regenerativa em um ambiente tropical, conversamos com a especialista Cristiane Guerreiro, Engenheira agrônoma, Mestre em Fitotecnia de plantas medicinais pela UNESP e em Inovação Ecológica pela Schumacher College/UK. Guerreiro tem experiência em certificação e produção de orgânicos, além de ter trabalhado na área regulatória da Bayer. Foi responsável pela pesquisa e desenvolvimento do Projeto ART (Agricultura Regenerativa Tropical), assim como é coautora da metodologia empregada na iniciativa. Atualmente é professora em Projetos Socioambientais e consultora de Agricultura Regenerativa em hortas urbanas e de Design Regenerativo.
Quais são os principais desafios enfrentados pela agricultura regenerativa tropical e como esses desafios são abordados nas práticas agrícolas regenerativas?
A Agricultura Regenerativa Tropical (ART) é uma prática que está em construção considerando o nosso contexto atual. Isso porque ela é inspirada em muitas práticas que já são realizadas, mas que agora precisam ser trazidas à nossa realidade. Os principais aspectos são os extremos climáticos e a necessidade de produção em escala.
Sendo assim, os principais desafios são lidar com as mudanças do clima: secas severas alternadas com alagamentos e todas as suas consequências e, além disso, é necessário construir e adaptar maquinários para as práticas regenerativas que são desenvolvidas. É importante considerar as diferentes realidades agrícolas. Queremos plantar em escala, mas não devemos limitar as tecnologias apenas para grandes produtores. A agricultura familiar é a maior responsável pela segurança alimentar da população e a que mais emprega no campo, mas ainda assim é carente de tecnologias para sua realidade.
Como as práticas e os objetivos da agricultura regenerativa diferem quando aplicadas em regiões tropicais, em comparação com outras áreas climáticas?
A ART leva em consideração as condições dos trópicos úmidos quentes, e do ambiente que naturalmente se desenvolveu nessas condições. Estamos falando de um ambiente biodiverso, com a presença de muitas árvores e no geral de solos pobres, bem intemperizados.
Os solos devem ser mantidos cobertos, evitando que a matéria orgânica, assim como a vida do solo, se perca. Um solo coberto mantém a umidade por mais tempo, assim como o protege contra a erosão no caso de chuvas intensas. O sistema de plantio direto já preconiza isso. A diferença é que a ART cobre o solo com a Madeira Rameal Fragmentada (MRF), um material rico em lignina que fica muito mais tempo cobrindo o solo.
Um ambiente com árvores também é fundamental para o equilíbrio climático no clima tropical. Além de fornecer a MRF, as árvores têm diversos outros papeis. Destaco aqui ainda a função de quebra vento, a participação no ciclo da água e a captura do gás carbônico atmosférico.
De que maneira as práticas agrícolas tradicionais e os conhecimentos indígenas são incorporados na agricultura regenerativa tropical para promover a sustentabilidade e a segurança alimentar nas comunidades locais?
Realmente as práticas indígenas são inspirações para a ART e a promoção da sustentabilidade. O sistema milpa, por exemplo, onde se planta abóbora, milho e mandioca em um mesmo espaço, é um sistema de consórcio, uma prática que promove a biodiversidade e é utilizada na agricultura regenerativa tropical. O sistema cabruca, para plantio de cacau, assim como o café sombreado, são inspiração também. Nessas práticas, a cultura comercial é plantada embaixo de outras árvores, que as protegem. Na ART as árvores são trazidas para dentro do plantio. São feitas linhas de árvores que também protegem as plantas cultivadas.
Todas essas práticas trazem biodiversidade para a propriedade proporcionando não apenas segurança alimentar para as comunidades locais, mas resiliência para os sistemas. É fundamental que essas práticas não fiquem restritas a comunidades locais, mas que sejam incorporadas em produções comerciais e na medida do possível, em grande escala.
Como sua atuação junto ao Sítio Sabores pode contribuir com o avanço da adoção das práticas regenerativas no Brasil?
O Sítio Sabores é um local experimental onde se pratica ART. Essa metodologia específica segue princípios e práticas regenerativas que podem ser sintetizadas em 3 práticas agronômicas: cultivo de linhas de árvores na lavoura e o uso da MRF (galhos jovens triturados) como cobertura morta; uso de adubo verde para o aprofundamento do perfil do solo; e manejo do mato de folha larga como cobertura viva e que preenchem os vazios do sistema. Destaco que os capins são eliminados.
Além de produção, é feito no Sítio Sabores um trabalho de pesquisa e de educação. Sendo um sítio pioneiro, enfrenta uma série de desafios. A superação de cada um deles reúne lições que podem ser adotadas em outros lugares. Mas acima de tudo, ele é um local para se desenvolver parcerias com outras instituições que estejam dispostas a contribuir para a superação dos desafios e para o avanço da ART. Fica o convite.