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Alimentos / 27/03/2024

Mulheres nas ciências agrárias: contribuições inestimáveis e reconhecimento tardio

Ainda que tenhamos grandes exemplos inspiradores, ainda não alcançamos a equidade de gênero

Produzir alimentos de forma sustentável não é uma tarefa simples. Demanda muito conhecimento, ciência e cada vez mais, inovação. Uma jornada iniciada desde que passamos a desenvolver os primeiros sistemas de cultivo e que foi sendo aprimorada por descobertas, integração dos saberes e avanços científicos. Mas, será que nessa trajetória, as potencialidades humanas têm sido devidamente aproveitadas? Infelizmente, não.

Ao longo do tempo, inovamos de forma limitada porque nem sempre se aproveitou o potencial das mulheres, sua inteligência, conhecimentos, criatividade e inovação. E se essa afirmação lhe soar estranha, siga lendo este texto e faça uma reflexão.

De fato, diante dos grandes problemas que estamos enfrentando como humanidade: fome, mudanças climáticas, escassez de recursos naturais, conflitos geopolíticos e desigualdades sociais, precisamos liberar todo o potencial que temos para resolvê-los.

O que podemos dizer sobre a história das mulheres na ciência?

A história registra que as mulheres nas ciências, incluindo as ciências agrárias, sempre foram colocadas à margem, onde os trabalhos mais reconhecidos eram de cientistas homens. Ainda assim, quando mergulhamos um pouco mais no tema, percebemos que, mesmo incentivadas a não ocuparem esses espaços, as mulheres participaram ativamente de pesquisas e experimentos científicos, tendo responsabilidade por grandes descobertas.

Apesar dos campos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), considerados essenciais para as economias, e das mulheres serem fundamentais para a comunidade de ciência e tecnologia, a maioria dos países, ainda não alcançou a igualdade de gênero nesse setor. A informação é da Organização das Nações Unidas (ONU), que também alerta para o fato de que, globalmente, apenas 1 em cada 3 pesquisadores é mulher.

Três grandes mulheres, três histórias de reconhecimento tardio

A química e bióloga norte-americana Mary Engle Pennington (1872-1952), apesar de ter frequentado a universidade, foi impedida de receber seu diploma por ser mulher, saindo apenas com um “certificado de proficiência”. No entanto, seu trabalho estabeleceu padrões para o processamento de carnes e a prevenção de contaminações nos alimentos, além de ser pioneira no estudo dos sistemas de refrigeração e na liderança feminina na agência regulatória FDA (Food and Drug Administration).

Desde bem jovem, Rosalind Franklin (1920-1958) sabia que queria ser cientista. Em 1945, começou sua carreira científica depois de conquistar o doutorado em química pela Universidade de Cambridge (Reino Unido). Com seu trabalho ela foi capaz de fazer uma fotografia por raios-x mostrando a dupla hélice das moléculas de DNA pela primeira vez. No entanto, por ser mulher, não obteve em vida reconhecimento sobre seus estudos. Atualmente, sua participação é vista como essencial para descobertas realizadas nos primórdios das pesquisas com DNA.

A geneticista Barbara McClintock (1902-1992) descobriu elementos genéticos móveis ao estudar cruzamentos de milho. A ideia de que o material genético não era estático e imutável foi uma mudança de paradigma para a época, impactando múltiplas áreas do conhecimento. Por ser mulher, não pode ocupar uma posição nas Universidades em que desenvolveu grande parte de seus estudos. Somente anos depois se estabeleceu em Cold Spring Harbour, e após 35 anos de trabalho recebeu um prêmio Nobel pela importante contribuição na descoberta da transposição de genes.

Certamente teríamos diversas outras histórias de elevado desempenho feminino em diferentes áreas envolvendo ciência e inovação. Inclusive, não tivemos a pretensão de elencar perfis com base nos resultados de suas descobertas. Procuramos alguns exemplos de mulheres que impactaram o setor de alimentos e que, ao mesmo tempo, precisaram lutar por espaço. Nessa pesquisa, a lista ficou longa e a nossa limitação foi apenas pelo tamanho do texto. Uma temática que não se encerra aqui e que abriremos novamente no Entre Solos.

Mas, para além de histórias brilhantes, esses três casos revelam que as barreiras que algumas mulheres enfrentam quando são inovadoras não são pessoais, são históricas.

A desigualdade de gêneros promove perdas nos sistemas alimentares

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a redução das disparidades de gênero na produtividade agrícola e nos salários poderia resultar na diminuição dos níveis globais de insegurança alimentar. No seu último Relatório sobre Mulheres nos Sistemas Agroalimentares, encontramos um panorama da situação das mulheres que trabalham nos sistemas agroalimentares, desde a produção até a distribuição e consumo.

Em resumo, o papel das mulheres tende a ser marginalizado e suas condições de trabalho muitas vezes são piores do que as dos homens em empregos irregulares, informais, de meio período, pouco qualificados ou intensivos em mão de obra. As mulheres representam 36% da força de trabalho do sistema agroalimentar na América Latina e no Caribe.

No Brasil, segundo estudo da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o agronegócio emprega 27% da PO (população ocupada). Quando se analisa a diversidade étnico-racial, os números encontrados no agronegócio são similares aos identificados na população brasileira.

Já quando o indicador é gênero, quando se observa o número de mulheres que trabalham no agronegócio, o percentual ainda é baixo entre os mais de 28 milhões de indivíduos atuantes, sendo 38% do total.

O momento atual não nos permite avançar sem inclusão

A Organização das Nações Unidas (ONU) enfatiza que mulheres e meninas desempenham um papel vital nas comunidades científicas e tecnológicas. E, por isso, sua participação precisa de fortalecimento. Afinal, o olhar diverso para os desafios contempla perspectivas sempre mais amplas. Imagine como seria prosseguir em um mundo que não valoriza mulheres que mudam a nossa história?

Você já ouviu falar na Johanna Döbereiner (1924-2000)? O trabalho dessa pesquisadora resultou em uma economia de 2 bilhões de dólares anuais somente na adubação química da soja no Brasil. E graças a essa otimização dos custos, a soja brasileira entrou para o mercado internacional. Johanna nasceu na antiga Tchecoslováquia, estudou agronomia em Munique e mudou para o Brasil logo depois. Por aqui, revolucionou a agricultura com seus estudos sobre a fixação biológica do nitrogênio. Enquanto nos EUA se usava somente a adubação química com nitrogênio, Döbereiner fez o Brasil seguir outro rumo.

Ana Primavesi (1920-2020) foi pioneira na compreensão do solo como um organismo vivo. Além de referência mundial em agroecologia, e em técnicas de preservação e de recuperação de áreas degradadas no Brasil. Ao longo de sua carreira recebeu uma série de prêmios, como o One World Award, da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM).

E se você acompanha as tendências de desenvolvimento de novas variedades vegetais mais resilientes ou de insumos mais sustentáveis para as lavouras. Já ouviu  falar da técnica de edição genética baseada em CRISPR (sistema de defesa de bactérias que corta DNA e se aplica como uma ferramenta genética). A descoberta realizada por Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, premiadas pela inovação com o Prêmio Nobel de 2020.

Para completar, o primeiro trabalho que mostrou o uso da técnica de CRISPR no melhoramento genético de plantas teve a liderança da cientista Caixia Gao em 2013. Inaugurando uma nova era para o desenvolvimento de culturas vegetais mais adaptadas às adversidades climáticas.

Aliás, importante dizer que a descoberta do CRISPR também deverá revolucionar diversas áreas da saúde e da indústria. Ou seja, estamos diante de uma inovação disruptiva. Imagine se essas mulheres não fossem reconhecidas?

Em busca da igualdade de gênero

Buscando contribuir com o avanço do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas) lançou-se em 2022, o Observatório das Mulheres Rurais do Brasil. A iniciativa liderada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) juntamente com a Embrapa, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pretende subsidiar estudos prospectivos e análises para o desenvolvimento de programas direcionados para as mulheres rurais.

Para conhecer mais, confira a entrevista da pesquisadora líder do Observatório, Cristina Arzabe.

Com intuito semelhante, o Movimento Elas Lideram 2030 e os Princípios de Empoderamento das Mulheres (em inglês, WEPs – Women´s Empowerment Principles) implementados pelo Pacto Global e ONU Mulheres. As iniciativas oferecem orientação às empresas sobre como promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres no local de trabalho, no mercado e na comunidade.

Principais fontes

Principais fontes:
A tecnologia CRISPR e suas aplicações no Brasil e no mundo. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/17689531/a-tecnologia-crispr-e-suas-aplicacoes-no-brasil-e-no-mundo Acesso em 15 de março de 2024.
Bibliografia de Ana Maria Primavesi. Disponível em: https://anamariaprimavesi.com.br/ Acesso em 15 de março de 2024.
Censo Agro 2017, IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25789-censo-agro-2017-populacao-ocupada-nos-estabelecimentos-agropecuarios-cai-8-8 Acesso em 15 de março de 2024.
Mercado de Trabalho do Agronegócio Brasileiro, 2023. Disponível em: https://cepea.esalq.usp.br/upload/kceditor/files/Cepea_Mercado%20de%20Trabalho_4T2022.pdf Acesso em 15 de março de 2024.
Movimento Elas Lideram 2030, Pacto Global Rede Brasil. Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/movimentos/movimento-elas-lideram/ Acesso em 15 de março de 2024.
Novo relatório da FAO: Igualdade para mulheres em sistemas agroalimentares pode acabar com a insegurança alimentar de 45 milhões de pessoas. Disponível em: https://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/en/c/1636863/ Acesso em 15 de março de 2024.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS 5. Igualdade de Gênero. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods5.html Acesso em 15 de março de 2024.
Observatório das Mulheres Rurais do Brasil. Disponível em: https://www.embrapa.br/observatorio-das-mulheres-rurais-do-brasil Acesso em 15 de março de 2024.
Princípios de Empoderamento das Mulheres, ONU Mulheres. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mulheres/ Acesso em 15 de março de 2024.
Princípios de Empoderamento das Mulheres, Pacto Global Rede Brasil. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/cartilha_ONU_Mulheres_Nov2017_digital.pdf Acesso em 15 de março de 2024.
The Status of women in agrifood systems. Disponível em: https://www.fao.org/documents/card/en/c/cc5343en Acesso em 15 de março de 2024.
US Food and Drug. Disponível em: https://www.fda.gov/
Foto: Adobe Stock

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