Ouvimos, com frequência, que os consumidores estão muito mais interessados com as questões globais, como mudanças climáticas, meio ambiente e sustentabilidade. Uma tendência consolidada em países desenvolvidos, principalmente entre os mais jovens, que foi ainda mais acentuada pela pandemia da Covid-19. Resta saber, o quanto essa conscientização tem provocado mudanças nos hábitos de consumo de grande parte da população brasileira. Quanto às motivações pelo próprio bem-estar, das próximas gerações, e pelo futuro do planeta se traduzem em mudanças de atitude?

Nesta entrevista o engenheiro de produção Helio Mattar, com PHD em Engenharia Industrial pela Universidade de Stanford e Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente compartilha seus conhecimentos conosco. Sua carreira registra vasta experiência nos três setores da sociedade. No governo, ele atuou como Vice-Ministro para a Produção Nacional, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Nos negócios, ele foi vice-presidente de planejamento do conglomerado CICA e sua holding controladora do Grupo Bonfiglioli e, posteriormente, atuou como presidente da GE Appliances do Brasil. O Sr. Mattar fundou diversas ONGs, incluindo o Instituto Ethos e o Instituto Akatu. Foi membro de diversos conselhos, como o Sustainable Living Plan Council da Unilever e o Conselho de Consumo Sustentável do Fórum Econômico Mundial. Atualmente, Dr Mattar também é membro do Sustainability External Advisory Council da Dow Chemical, do Comitê de Diversidade e Sustentabilidade do Grupo Pão de Açúcar e do Comitê Consultivo do Entre Solos, do Pacto Global da ONU – Rede Brasil.

Como o Instituto Akatu enxerga o consumidor dos últimos anos?

Embora o consumidor brasileiro tenha mudado nos últimos anos, alguns hábitos, interesses e barreiras permanecem. Os consumidores buscam inserir sustentabilidade e saudabilidade em suas rotinas, embora uma parte significativa ainda não saiba como fazer isso. Por outro lado, eles exigem mais transparência das empresas para optar por produtos com melhor impacto social e ambiental.

A Pesquisa Vida Saudável e Sustentável, parceria entre o Instituto Akatu e a Globescan desde 2019, possibilita obter uma diversidade de insights. Da edição de 2023, podemos destacar alguns resultados:

– Praticamente todos os brasileiros, independentemente da geração, manifestam interesse em comprar produtos mais saudáveis e, em menor grau, mais sustentáveis. Às empresas está posto o desafio de quebrar as barreiras que impedem ou dificultam a transformação desse interesse em ações.
– Mais de 80% dos brasileiros seguem querendo reduzir seu impacto sobre a natureza (contra 72% da média global) — um desafio às instituições em dar apoio para que esse desejo se transforme em ação.
– Cerca de 40% dos brasileiros compraram mais produtos ecologicamente corretos no último ano. É significativo que, em diversos segmentos listados, houve um aumento de compras de opções sustentáveis, alguns deles expressivos.
– Mantém-se o desejo de mudança dos brasileiros, sendo que: 7 em cada 10 pessoas gostariam de mudar para estilos de vida mais saudáveis e 6 em cada 10 gostariam de ter rotinas mais sustentáveis, ambos índices superiores à média global.
– Entre as gerações, nota-se o interesse bem maior dos jovens por estilos de vida saudáveis em comparação a estilos mais sustentáveis. Esse padrão foi observado também na etapa qualitativa da pesquisa: as duas gerações mais jovens enfatizaram maiores preocupações com a saúde física e mental e com o próprio bem-estar do que interesses ambientais, confirmando a diferença entre o que está perto (“saúde, como ameaça do dia a dia”) e o que aparenta estar longe (“perigos ambientais afetam o futuro”).

– Embora a intenção dos brasileiros por mais saúde e sustentabilidade seja superior à média global, o percentual de mudanças efetivas nessa direção cai pela metade. Aproximadamente 7 em cada 10 jovens das gerações Z e Millennials manifestaram desejo de mudança em direção a estilos mais saudáveis de vida, mas apenas 3 em cada 10 mudaram efetivamente seus hábitos.
– Há certa estabilidade na média de pessoas que responderam não saber como viver de forma sustentável (28%), indicando que esse aspecto deve ser considerado com maior intensidade na comunicação das empresas e na educação por parte de diversos atores, como governos e organizações da sociedade civil.
– O mesmo ocorre no recorte geracional, onde fica evidente a falta de informação e de educação dos mais jovens: 34% dos entrevistados da Geração Z e 30% dos Millennials afirmaram que não sabem como viver uma vida que seja boa para eles, para outras pessoas e para o meio ambiente, índice superior ao registrado nas gerações mais velhas.

– Destaca-se a forte percepção do vínculo entre saúde física e mental e o bem-estar emocional em relação aos termos vida saudável e sustentável. As três afirmações incluídas em 2023 são aquelas com que os brasileiros mais concordam.

– O preço é apontado como principal barreira para a prática de estilos de vida bons para as pessoas e para o meio ambiente no Brasil e no mundo: 57% dos brasileiros afirmam que viver de forma mais sustentável “é muito caro”. Embora a percepção de que não há apoio de governo e empresas tenha caído em relação aos anos anteriores, ainda assim essas duas opções completam o topo das principais barreiras na visão dos brasileiros e da média global.

– Como esperado, a maioria absoluta dos brasileiros afirma desejar ter mais informações sobre o que as empresas estão fazendo para tornar seus produtos bons para o meio ambiente, índice superior à média global (90% x 72%). Entre as melhores maneiras de fornecer esse tipo de informação, mais da metade indica a relevância de rótulos e embalagens (54%). Uma vez que se trata do canal mais comum e direto entre marca e consumidor, o mesmo deve ser interpretado junto ao baixo nível de leitura e de compreensão das informações em rótulos pelos brasileiros, já registrado em pesquisas do Datafolha e do Idec.

– O nível de “total confiança” é relativamente baixo para todas as declarações, chegando no máximo a 27% para a Geração Z na frase “o produto é de origem vegetal” e no máximo a 31% para os Millennials na frase “não testado em animais”. Isso é um forte indicativo que as marcas precisam trabalhar melhor sua comunicação para alcançar um maior nível de confiança nos atributos de sustentabilidade de seus produtos.

– Na etapa qualitativa, de forma geral, os entrevistados da Geração Z demonstraram ter menor nível de consciência ambiental, o que contradiz as expectativas em relação a essa geração, que abrange pessoas que nasceram no mundo da tecnologia (“heavy users” da internet, com vasto acesso à informação), em um ambiente e em uma época em que os temas socioambientais têm mais espaço nas discussões.
– Vale destacar que as preocupações ambientais estão mais presentes entre os jovens que possuem filhos, justamente por representar um risco à segurança familiar, especialmente entre os que possuem o peso da experiência própria de perda de uma pessoa próxima.
– Por mais que seja um termo bastante presente no ambiente corporativo, a sustentabilidade está distante do vocabulário e do dia a dia dos entrevistados, em especial os da Geração Z, que demonstraram dificuldade em explicar o que é ser sustentável. Assim, é preciso aproximar a sustentabilidade da vida real e atual dos jovens.

No avanço para uma economia sustentável, quais seriam os indicadores mais apropriados para avaliarmos desenvolvimento?

Uma economia sustentável envolve uma série de atributos, que diferem segundo contextos diversos, o que torna um tanto complexo eleger indicadores específicos para avaliar o seu desenvolvimento. Alguns levantamentos inclusive ressaltam essa questão, ou seja, de que não existe consenso. Além disso, é importante também ter em mente que, além de definir os atributos, é preciso que haja dados disponíveis para quantificá-los.

Uma discussão sugere que, ao se avaliar uma economia sustentável, deve-se contabilizar as mudanças nos estoques das variáveis que afetarão a capacidade das gerações futuras de terem atendidas suas necessidades, contabilizando-se não só os recursos naturais, mas também quantidades e qualidades humanas, sociais e econômicas. Como exemplo, ainda que antigo pode ser útil avaliar a proposta de um grupo de trabalho composto por representantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas (UNECE) e do Gabinete de Estatística da União Europeia (Eurostat) de que há variáveis em dois domínios, sendo algumas delas (Senado Federal):

– Expectativa de vida saudável;
– Percentual da população com educação acima do nível médio;
– Disponibilidade de água de qualidade.

– Produção per capita;
– Recursos per capita;
– Reserva de recursos (energéticos, minerais, florestais e marinhos).

No entanto, um indicador dificilmente será unanimemente considerado em tal avaliação: o da educação, abrangendo também a educação ambiental. Naturalmente, o “percentual da população com educação acima do nível médio”, assim como o conhecimento no que tange ao meio ambiente e seus fatores determinantes, é a base fundamental para qualquer tipo de desenvolvimento. Afinal, se tal indicador não apresentar resultados satisfatórios, ter uma economia sustentável se torna praticamente impossível.

Como o setor privado pode alavancar o consumo sustentável?

O setor privado desempenha um papel crucial no fomento do consumo sustentável, que não depende apenas das escolhas individuais, mas das ações e do apoio de governos, empresas e organizações sociais. Um consumidor consciente necessita do suporte desses atores para fazer escolhas sustentáveis. As empresas podem contribuir por meio de campanhas educativas, oferecendo uma variedade maior de produtos sustentáveis e comunicando melhor os atributos de sustentabilidade dos produtos.

A comunicação eficaz e o fornecimento de informações são centrais nesse contexto. Segundo a Pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2023, consumidores buscam informações em diversas fontes, como documentários, mercados, sites das empresas e embalagens, embora frequentemente não encontrem ou não compreendam adequadamente as informações desejadas.

– Oferecer informações didáticas: Simplificar a comunicação técnica e fornecer informações no momento da compra.
– Permitir comparabilidade entre produtos: Facilitar escolhas embasadas e não apenas baseadas no preço.
– Adotar comunicação multicamadas: Utilizar design de produto, embalagem, publicidade, pontos de venda e recomendações pessoais para comunicar efetivamente.
– Promover uma visão de longo prazo: Incentivar a compra de produtos duráveis, que representam um melhor investimento a longo prazo. Pesquisa de 2021 mostra que 55% dos brasileiros acreditam que produtos duráveis incentivam o consumo sustentável, e 70% dizem que empresas podem ajudar fornecendo produtos e serviços duráveis.
– Atuar de forma setorial e multissetorial: Engajar toda a cadeia de suprimentos em inovação e busca por uniformidade coletiva, priorizando a conexão com diferentes stakeholders.
– Antecipar demandas regulatórias: Buscar soluções e inovações proativamente, sem esperar por regulamentações obrigatórias.

Assim, o consumo sustentável é uma responsabilidade coletiva que exige esforços de todos os setores da sociedade, com as empresas desempenhando um papel essencial.

De que forma, governo, setor privado e sociedade podem contribuir para o alcance das metas de descarbonização?

No caso do Brasil, o sexto maior emissor de GEE, alguns pontos chave são cruciais no processo de descarbonização, diferentemente de outros países, segundo um estudo da consultoria McKinsey (Exame):

Uso de terra, mudança do uso da terra e florestas: redução de desmatamento ilegal e restauração florestal e ambiental.
Agropecuária: Utilização de técnicas de manejo sustentável de animais (ex: melhoria da pastagem, monitoramento de saúde animal, redução na idade de abate, etc.), aplicação de técnicas de agricultura regenerativa (ex: Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, Agroflorestas, etc.) e uso de biodefensivos agrícolas.
Transporte: Eletrificação do transporte de carga e de passageiros, uso de ônibus e caminhões elétricos (com baterias ou célula combustível) e aumento do uso de combustíveis sustentáveis de aviação.
Energia: Aumento na utilização de fontes renováveis de energia, além da eletricidade.
Indústria: Adoção de hidrogênio verde, adoção de bioenergia (como biometano e biocarbono), desenvolvimento de tecnologias de Captura, Uso e Armazenagem de Carbono (CCUS, na sigla em inglês) e melhoria na eficiência energética.

A questão do desmatamento ditará o ritmo da descarbonização e precisa ser entendido como uma oportunidade tanto pelas empresas quanto pelos governos: proteção da biodiversidade, segurança hídrica, criação de empregos, geração de valor econômico, entre outros. Nesse sentido, esses atores precisam atuar em conjunto, trazendo à tona questões como regulação fundiária, incentivos, negócios com alta geração de valor a partir da floresta em pé e recompensas a empresas que apoiam projetos de conservação e recuperação, que caminham na direção da descarbonização. Por exemplo, dentre as diversas soluções, pode-se citar as práticas de agricultura regenerativa, que necessitam de programas de financiamento e outros incentivos, em grande parte por meio da ação do governo.

De um modo mais geral, tal cenário exige incentivos em pesquisa, desenvolvimento, inovação, qualificação profissional e uma economia que seja atrativa para investimento, o que só será possível através de esforços conjuntos entre governo e iniciativa privada (Jornada da Amazônia), sendo que em boa parte dos casos, é o governo que precisa induzir a agenda de descarbonização para o setor privado.

Ainda que todos os esforços sejam válidos, é importante ter uma visão estratégica com base nos temas em que há um maior potencial de redução de impactos, no sentido da descarbonização, além também nas questões de tecnologias disponíveis e viabilidade de implementação dessas soluções.

Não se pode deixar de lado também o impacto das associações e das mudanças setoriais. Pensando na viabilização de soluções que possibilitem cada vez mais a descarbonização, esses esforços conjuntos podem e devem acontecer para alcançar as metas estabelecidas.

Entrando no âmbito das empresas, é importante que as mesmas também acompanhem e auxiliem sua cadeia de suprimentos no processo de descarbonização (Enelx):

– Identificando e priorizando as áreas que mais contribuem para as emissões;
– Elaborando um plano ambicioso e atribuindo responsabilidades claras para metas e atividades ao longo da cadeia de suprimento;
– Ajudando seus fornecedores a progredir em suas metas;
– Definindo um orçamento claro para alcançar o sucesso;
– Monitorando o progresso da cadeia de suprimentos e acompanhando os resultados.

Enquanto sociedade, considerando o papel do consumidor, a descarbonização se dá principalmente através do consumo, afinal, por trás de todo produto e serviço há emissão de GEE. Sendo assim, o consumidor pode e deve refletir sobre suas escolhas de consumo no dia a dia. Ainda que haja um longo caminho a ser percorrido quanto às informações fornecidas pelas empresas, cada consumidor, dentro do seu contexto, pode avaliar suas escolhas, seus comportamentos e buscar o melhor impacto com as informações disponíveis. Ainda que seja um processo gradual, de transição, por menor que seja a mudança, se feita por um longo período e por muitas pessoas, há um grande impacto positivo para a sociedade.

Por fim, um ponto de interesse a se destacar, envolvendo principalmente governos e formuladores de políticas públicas, é que, com o passar do tempo, com o envelhecimento da população, os hábitos de consumo tendem a mudar também. Essa transição deve ser levada em conta nas tomadas de decisão tanto no médio quanto no longo prazo (FIEMG).